A Ásia… aqui tão perto

A visita do primeiro-ministro português, Luís Montenegro, à segunda e terceira maiores economias do mundo, China e Japão, trouxe para os meios de comunicação social a Ásia. Esse continente imenso e em franca ebulição passa completamente despercebido na esfera pública, mas entre as cinco maiores economias do mundo encontram-se três asiáticas, por ordem decrescente, China, Índia (4.ª posição) e Japão.

Portugal tem ligações históricas com esses quatro países que perduraram por cinco séculos, sob formatos diferentes e em conjunturas muito díspares, mas persistentes. A visita que agora se realiza ao mais alto nível e que inclui Macau, esse território que liga dois extremos no grande pedaço continental euro-asiático: o extremo da Europa Ocidental e o extremo da Ásia Oriental.

Dificilmente imaginamos espaços tão distantes como contíguos, mas, na verdade, poderemos ir de Lisboa a Xangai de automóvel. É assim algo estranho a ausência deste continente no imaginário e na esfera pública portuguesa, sobretudo, agora que o dinamismo económico se deslocou para aqueles lados do mundo.

E Macau?

É ainda mais surpreendente essa ausência no que se refere a Macau, que Portugal administrou durante cinco séculos e onde persiste uma herança patrimonial, cultural e humana fruto dessa presença. Ademais, este pequeno território, insignificante no tamanho, mas tão simbólico na atualidade, ganha dimensão na conjuntura atual.

Macau é um dos territórios da Grande Baía, o maior projeto de desenvolvimento chinês para a China, integrando os polos tecnológicos mais dinâmicos da atualidade. O território constitui, ainda, uma referência para a política externa chinesa, ligando o período imperial à república comunista, como ponto de administração externa regressada na totalidade à soberania chinesa.

O modelo de política externa que Macau simboliza, com transições pacíficas e concessões mútuas, é exatamente aquele que Zhou Enlai apresentou ao mundo aquando da Conferência de Bandung. A coexistência pacífica, negociada passo a passo, em que a China protagoniza um papel central.  Macau é também a última possibilidade de afirmação de que a fórmula “um estado, dois sistemas” poderá funcionar, dada a conflitualidade em Hong Kong que acabou por comprometer esse papel.

Nesse sentido, a inclusão de Macau na visita oficial do primeiro-ministro português não é só oportuna, é essencial para o país se ainda mantém alguma ambição de diversificação das suas opções negociais, num período marcado pela instabilidade nos mercados e nos foros políticos internacionais. A comunidade portuguesa residente em Macau e as empresas portuguesas beneficiam desta formalidade, mas o país como um todo também.

A terra do Sol Nascente

A visita ao Japão não se confina à atividade mais destacada do périplo ministerial, a Exposição de Osaca. O Japão foi local de paragem dos portugueses que acabaram expulsos do país, após introduzirem o catolicismo e influenciarem de tal modo a população que o sistema político japonês se sentiu ameaçado.

Os portugueses introduziram a medicina ocidental no Japão. Um hospital em Oita guarda o nome do médico que fez a primeira cirurgia naquelas longínquas terras, Luís de Almeida, cuja estátua encena esse momento de transferência de conhecimento entre duas culturas e sociedades.

A perseguição dos portugueses e cristãos japoneses fechava uma história de contactos através do comércio e do estabelecimento dos portugueses em cidades como Nagasáqui, Usuqui e Oita. Mas a memória dos japoneses manteve presente a passagem dos portugueses por terras do sol nascente. Depois, outros nomes ajudaram a manter essa memória. Amália Rodrigues, Rosa Mota ou os Madredeus são ícones portugueses bem conhecidos.

A dinâmica económica e tecnológica do Japão merece, pois, uma atenção maior do que a alusão a uma visita à Expo 2025 Osaka. A quinta economia do mundo tem relações comerciais históricas com Portugal. Embora esse passado seja distante, é um excelente tema para início de conversa.

Conhecer a Ásia é hoje uma premissa para os países que pretendam ter mais do que relações de vizinhança. Para tal, é preciso apreender a Ásia. E que tal fazê-lo através da leitura?

Ler a Ásia

Sendo um destino distante, caro e pouco oferecido como destino turístico, a maioria das pessoas só pode aceder à realidade asiática à distância. A leitura é uma forma de aproximação e compreensão da realidade e, felizmente, cada vez mais autores asiáticos são traduzidos para o português.

Recentemente foram editados dois livros que comprovam esta tendência. Um foi publicado pela Casa das Letras e outro pela Quetzal. Os autores são respetivamente uma japonesa e um malaio. Os livros são um romance autobiográfico e um romance histórico.

O romance de Nanako Hanada, Confissões de uma Livreira (Casa das Letras), passa-se na contemporaneidade e relata a vida de uma livreira a braços com mudanças radicais na sua vida. Entre a solidão e o desconforto, a personagem principal encontra conforto numa rede social e em encontros com estranhos com a finalidade de recomendar livros.

Dessa experiência na primeira pessoa decorre uma incursão na sociedade japonesa e nas tensões geradas entre a tradição, a modernidade e a mediação tecnológica das relações interpessoais. Aqui todas as personagens são pessoas comuns cujo elo de ligação é uma rede social.

Fluido na escrita, este romance vive sobretudo da dinâmica relacional e da capacidade da personagem principal de ultrapassar os seus desafios pessoais. Como detalhe a rematar o livro, existe uma lista de obras citadas durante o romance e de obras recomendadas aos leitores que leram aquele livro, abrindo um número muito razoável de pistas sobre as publicações e os autores nipónicos contemporâneos nos seus vários estilos.

O romance de Ta Twan Eng, A Casa das Portas (Quetzal), passa-se na Malásia colonial, mas chama a si a história da construção republicana chinesa por estas terras ainda no tempo do Império Britânico. Sun Yat-sen, reconhecido como o fundador da República chinesa, aparece como uma das personagens secundárias que dão fôlego ao romance que expõe as contradições do sistema colonial, mas também as vivências de uma comunidade chinesa que se movia entre as elites locais.

O romance é esteticamente atraente e a narrativa agarra o leitor, através da surpresa e do estímulo da curiosidade. Os mundos ocidental e oriental encontram-se ali também através da evocação de um famoso escritor britânico, Somerset Maugham, que viajou extensamente pela Ásia.

Apesar de apresentar algumas imprecisões históricas, estas não diminuem o seu valor literário nem a beleza dos momentos oferecidos ao leitor. Um dos flagrantes exemplos é a colocação da família de Sun Yat-sen em Hong Kong, quando este viveu em Macau, depois da sua perseguição em Hong Kong, onde ainda hoje existe a sua casa de família. Mas, como sabemos, o romance histórico não é a transcrição do momento histórico, é antes a sua recriação ficcional com recorrência a elementos estéticos de redação.

Por outro lado, apresenta a vivência colonial em Penang e a convivência interétnica e inter-racial como pano de fundo à estória, o que nos permite viajar pela formação de algumas daquelas sociedades e compreender melhor os jogos de alteridade que ainda hoje parecem surpreender algumas pessoas.

O que têm em comum estes dois livros? São testemunhos de sociedades distantes legíveis e entendíveis para nós, porque tocam sensibilidades que são transversais à humanidade e podem ser lidos fora do seu contexto de origem. É isso que torna tão especial a literatura. Ensina-nos a viajar e a entender o outro, sem ter de sair do nosso sofá, sem juízos pré-concebidos e com a possibilidade de aprender sobre outras formas humanas que afinal têm mais em comum connosco do que se pensa à partida.

O que têm estes livros que ver com as ligações de Portugal à Ásia ou com as visitas de alto nível do governo português? Estes livros, se comparados a outros, editados em tempos idos sobre estes povos diferentes vivendo na Ásia, reforçam esta possibilidade de conhecimento da Ásia através dos livros e da demonstração de que a convivialidade entre povos é desejável, como sempre foi, no caso português.