A demissão imediata de Carlos Moedas

A tragédia do Elevador da Glória chocou Lisboa e o país. Uma avaria, uma falha ou um erro transformaram-se num acidente devastador, com 16 vítimas mortais e dezenas de feridos. A velocidade do descarrilamento, o número de vítimas e a rutura de um cabo de tração com menos de um ano de uso levantam questões sérias sobre a segurança e a manutenção da nossa infraestrutura. Mas, no meio do luto e da indignação, a exigência de demissões sumárias, sem uma investigação aprofundada, parece-me uma resposta populista e perigosa para a nossa vida política.

A onda de críticas que se abateu sobre o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, e sobre os seus colaboradores mais próximos é, até prova em contrário, injustificada. A responsabilidade por um acidente desta dimensão recai, em primeira linha, sobre a gestão operacional e a manutenção da Carris. O presidente da Câmara não é, nem tem de ser, engenheiro mecânico. O seu papel é de liderança estratégica e de definição de políticas públicas, não o de vistoriar o estado dos cabos de aço. Mais: a Câmara de Lisboa é acionista da Carris, não a sua gestora.

Estive oito anos na Câmara de Lisboa como vereador e posso atestar que, nestes momentos, é importante que o presidente esteja aberto a receber o contributo de todos os partidos na Câmara e na Assembleia Municipal. Estes não são momentos para campanhas eleitorais, mas sim para o exercício da política em respeito por aqueles que tragicamente já partiram e pelas suas famílias.

Quero igualmente destacar positivamente as declarações da candidata à Câmara de Lisboa pelo Partido Socialista, Alexandra Leitão, que foram responsáveis e não alinharam na onda populista que exigiu demissões imediatas.

Segundo os dados mais recentes, a causa do acidente poderá ter estado num problema no trambolho, na rutura de um cabo de tração ou num eventual defeito no sistema de travagem. Ainda não sabemos. A investigação preliminar sugere que o ponto de falha era indetetável nas inspeções de rotina. Se este cenário se confirmar, a demissão de um líder político que não tinha conhecimento prévio deste problema técnico seria um erro. Estaríamos a criar um precedente perigoso, onde qualquer falha operacional, por mais imprevisível que fosse, levaria à queda do presidente eleito.

Outra discussão descabida é a de saber se a manutenção deveria ser feita internamente pela Carris ou por uma empresa privada. Estamos em pleno século XXI e esta discussão já não tem muitos “adeptos”, uma vez que no âmbito de um processo de concurso, uma infraestrutura de mobilidade como estes elevadores exige requisitos técnicos e de licenciamento rigorosos à empresa de manutenção, que, obviamente, tem de dar garantias de segurança à entidade adjudicante — neste caso a Carris, e não a Câmara de Lisboa. Estou longe de ser especialista em segurança de infraestruturas, mas estou certo de que serão muito poucas as empresas habilitadas a prestar este tipo de serviço.

A decisão de Carlos Moedas de exigir que o seu vice-presidente e o presidente da Carris não se demitam demonstra uma postura de liderança madura e responsável. Em vez de ceder à pressão populista, optou por exigir uma investigação transparente e rigorosa para apurar as verdadeiras causas e responsabilidades. No caso da Carris, demitir gestores competentes, que estão a colaborar ativamente com a investigação, seria um ato de fraqueza, que apenas desviaria o foco do que realmente importa: garantir que uma tragédia como esta nunca mais se repita.

A responsabilidade política de Carlos Moedas reside em garantir que a investigação seja levada a cabo de forma exaustiva e que se apliquem as devidas consequências, sejam elas de natureza técnica, de gestão ou criminal. A sua atuação deve ser avaliada pela capacidade de liderar o processo de auditoria, reforçar a segurança e dar uma resposta cabal aos lisboetas. A transparência prometida e a suspensão imediata de todos os funiculares e do Elevador de Santa Justa são passos importantes para restaurar a confiança dos cidadãos.

Apesar da dor e da revolta, é essencial que a nossa sociedade não caia na tentação da demissão fácil. O Elevador da Glória tornou-se um símbolo da necessidade urgente de investir na manutenção e modernização da nossa infraestrutura pública. Este é o momento para agir com ponderação, apurar as falhas e exigir um plano de ação para o futuro. O presidente da Câmara e a sua equipa devem ser julgados pela forma como gerem esta crise, não por uma tragédia que, até prova em contrário, estava fora do seu conhecimento e responsabilidade direta. Qualquer demissão, neste momento, não é a solução.