
Um sintoma de uma crise existencial europeia é o ressurgimento dos partidos e dos movimentos de extrema-direita, constituindo-se como forças de reivindicação de um certo ideário de um continente homogéneo do ponto de vista étnico, racial e até cultural. Esta perspectiva ideológica tem expressão na produção legislativa, particularmente nas leis migratórias e de nacionalidade, que se tornam expressão de um nacionalismo, que procura, na prática, responder a um medo existencial de transformação da realidade europeia.
Este modo pensante dispensa qualquer argumento racional ou lógico sobre a relevância económica, demográfica, social e cultural dos migrantes, porque, ao seguir por esta via, a Europa admitiria que depende de sujeitos que não compõem o seu imaginário étnico-racial. Com efeito, a extrema-direita perderia a sua sustentação teórica e relevância política enquanto movimento de defesa dos interesses dos europeus “brancos”.
Quem opta por debater com um sujeito extremista acredita que consegue afastá-lo dessa construção mental através de evidências e dados concretos. Mas, acaba por negligenciar que qualquer realidade social é interpretada à luz da subjectividade epistémica, que é fortemente influenciada pela experiência pessoal e pela convicção individual.
Muita gente evoca, ainda, o baixo nível de desenvolvimento intelectual ou baixa escolaridade dos sujeitos que aderem ao discurso de extrema-direita, porque é sempre mais fácil imputar a responsabilidade aos sujeitos de menor instrução. Quando o crescimento da extrema-direita é transversal e inter-classista, com suporte de uma certa intelectualidade. Ademais, a Europa é o continente com o maior número de sujeitos escolarizados.
Em nosso entender, o crescimento da extrema-direita europeia é um recurso histórico-político que emerge sempre na ausência de um projecto político capaz de preservar o bem-estar europeu e recolocar a Europa no centro gravitacional do mundo. Quem sempre se apresentou na condição de Senhor recusa-se, agora, a perder essa qualidade. Prefere, assim, optar por um discurso radical e extremista sem conseguir apresentar um projecto político que possa travar a transformação em curso na política global, onde a Europa já não determina o resultado do jogo.
Esta situação foi diagnosticada pelo filósofo e cientista político Achille Mbembe, na obra A Crítica da Razão Negra, onde afirma que a Europa já não constitui o “centro de gravidade do mundo”. É, portanto, contra a provincialização da Europa que a extrema-direita procura lutar e apresentar um projecto político radical e anti-cosmopolita que serve para isolar os europeus do mundo e, sobretudo, das transformações em curso. Por isso, a solução política da extrema-direita não passa de uma ilusão, resultante de um desespero instalado que se revelará, mais cedo ou mais tarde, num projecto político fracassado.