A máquina que tudo paralisa e ludibria

O Governo divulgou recentemente um conjunto de medidas destinadas a reduzir a burocracia e a obesidade do Estado, com o objectivo anunciado de facilitar a vida dos cidadãos e das empresas, de promover o bem-estar na sociedade e de incrementar a produtividade na economia.

Mesmo antes de tomar posse, o actual primeiro-ministro assumira como prioridades a reforma do Estado e a desburocratização. E a própria orgânica do novo Governo, com a criação de um ministério focado especificamente na reforma do Estado, veio reforçar as expectativas criadas na sociedade e na economia de que finalmente poderiam começar a ser criadas as bases de construção de um Estado mais ágil e eficiente.

Mais recentemente, o ministro da Economia e Coesão Territorial anunciou que os processos de candidatura a fundos europeus passariam a ser obrigatoriamente decididos pela AICEP e pelo IAPMEI em 60 dias e que os pagamentos de incentivos passariam a ser feitos em 30 dias.

Para além disso, vários membros do Governo proclamaram de forma quase definitiva que os processos de licenciamento impostos às empresas seriam simplificados e expurgados de burocracias inúteis.

Infelizmente, apesar de todas estas declarações aparentemente tão bem-intencionadas, os sinais que a realidade nos oferece parecem bastante diferentes.

Como em seguida se demonstrará, as boas intenções do Governo não estão a ser concretizadas na prática, provavelmente porque a máquina pública não só boicota as medidas desburocratizadoras como, em alguns casos, ludibria o próprio poder político.

O Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de Fevereiro, aprovado e publicado ainda durante o último governo socialista, tinha eliminado o prazo de validade das licenças ambientais, passando a permitir-se assim que as empresas não fossem obrigadas a pedir uma nova licença a cada 10 anos.

Dessa forma, não só as empresas ficariam desoneradas de custos desnecessários e de burocracias verdadeiramente kafkianas, como a própria Agência Portuguesa do Ambiente (APA) poderia alocar os seus recursos a tarefas de muito maior valor acrescentado. O que significa, que a solução seria simultaneamente boa para a economia e para a administração pública.

Ao mesmo tempo, as questões ambientais estariam devidamente salvaguardadas, visto que a lei em causa previa a possibilidade de a APA intervir junto das empresas licenciadas sempre que se verificasse existir uma evolução das melhores técnicas disponíveis. Inclusivamente, estava prevista a possibilidade de a licença ser suspensa.

Aparentemente, a máquina que constitui a APA não terá ficado satisfeita com a publicação do diploma de 2023. Aliás, é bem sabido que a APA não aceita de bom grado quaisquer medidas de simplificação e de redução das burocracias no domínio ambiental, caso tais medidas lhe reduzam poderes e competências.

Tenha sido por isso ou por qualquer outra razão, no recato do passado mês de Agosto, foi publicado de forma sorrateira o Decreto-Lei n.º 89/2025, de 12 de Agosto, o qual reintroduziu na ordem jurídica a burocracia e os custos eliminados pelo diploma de 2023.

Acresce que o fez de forma ainda mais gravosa para as empresas. Na verdade, apesar de o novo diploma proclamar que a licença não tem prazo de validade, veio impor uma renovação da mesma de sete em sete anos.

Para justificar esta reversão, o legislador nacional invocou putativas exigências da legislação europeia. Tal justificação é, todavia, absolutamente incorrecta, visto que a Directiva que enquadra esta matéria não obriga à previsão de qualquer prazo de validade da licença, nem impõe às empresas a obrigação de qualquer impulso processual. Pelo contrário, todos os ónus e encargos nesta matéria devem incumbir às entidades públicas e não às empresas privadas.

Todo este episódio é verdadeiramente emblemático da cultura de burocracia e de indiferença face às empresas existente em Portugal. E estão aqui todos os ingredientes habituais.

A resistência à mudança e à simplificação é de tal modo compulsiva, que chega ao ponto de reverter as melhorias anteriormente efectuadas. A desconfiança face à iniciativa privada é absolutamente doentia. E entre a obsessão de poder da administração pública e os legítimos interesses das entidades empresariais prevalece a primeira.

Por outro lado, verifica-se que a máquina ludibriou o próprio Governo a que deve lealdade, induzindo-o à aprovação de uma medida que contradiz a sua auto-proclamada matriz.

Lamentavelmente, este exemplo é apenas uma metástase de um corpo canceroso. Há muitos outros casos idênticos ou parecidos, em que a máquina da administração pública parece fazer gala em contrariar a vontade política e o interesse nacional. Nesse âmbito, um caso paradigmático é protagonizado pela Direcção de Verificação de Incentivos da AICEP, a qual, apesar dos anúncios públicos por parte do Governo no sentido de agilizar a análise dos projectos de candidatura aos fundos europeus e acelerar os pagamentos respectivos, multiplica constrangimentos, inventa dificuldades e opta por interpretações absurdas da lei que parecem ter o objectivo de frustrar os financiamentos.

Naturalmente, na administração pública, o número de pessoas competentes, esforçadas e diligentes é bastante superior ao das que fazem questão de ser forças de bloqueio. Inclusivamente, o caso da AICEP é nesse domínio verdadeiramente exemplar, sendo por todos reconhecida a qualidade e o empenho da grande maioria dos seus colaboradores, a começar pela sua actual administração que tem feito um enorme esforço no intuito de estar junto das empresas e de compreender os seus objectivos, os seus problemas e as suas dificuldades.

Infelizmente, apesar de serem menos, os fracos, sempre armados em donos da virtude e da razão, minam o ambiente, boicotam os processos e chegam ao cúmulo de perseguir e estigmatizar os que gostariam de ser solução e não problema.

E assim sendo, por incompetência, covardia ou preconceito, uma parte da máquina pública paralisa o progresso e o crescimento. É lamentável que o poder político não consiga enfrentar este monstro.