
Vivemos uma nova revolução industrial: a da inteligência artificial (IA). Se outrora a riqueza das nações se media em carvão, petróleo ou aço, hoje mede-se em dados, capacidade computacional e talento tecnológico. Neste contexto, a criação de uma AI Gigafactory em Portugal não é apenas desejável: é estratégica.
Mas afinal, o que é uma AI Gigafactory? Trata-se de uma infraestrutura de grande escala dedicada à investigação, desenvolvimento e produção de soluções baseadas em inteligência artificial. Vai muito além de um simples centro de dados ou de um polo tecnológico. É um ecossistema integrado que combina supercomputação, centros de investigação, talento humano altamente qualificado e uma ligação direta com setores económicos-chave como: saúde, energia, indústria, agricultura ou serviços financeiros.
Portugal tem vindo a consolidar-se como um destino atrativo para investimento tecnológico. Beneficiamos de um custo competitivo, qualidade de vida elevada, universidades com bons níveis de formação em STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e um ambiente regulatório alinhado com os valores europeus de ética e segurança em IA. Além disso, a nossa posição geoestratégica, entre os EUA e a Europa, e as ligações atlânticas e lusófonas, tornam-nos uma ponte natural para mercados emergentes.
Recentemente, Portugal deu um passo importante ao submeter à Comissão Europeia uma Manifestação de Interesse no âmbito do programa europeu para a criação de uma AI Gigafactory. Esta iniciativa, liderada pelo Banco de Fomento e que agregou mais de 30 empresas nacionais e estrangeiras, está alinhada com os objetivos estratégicos da União Europeia em matéria de soberania digital e inovação, e demonstra a vontade nacional de liderar no desenvolvimento e aplicação de inteligência artificial de ponta. É uma oportunidade para colocar o País no centro das decisões tecnológicas que vão moldar a próxima década.
Os benefícios económicos e estratégicos desta infraestrutura digital são vários, transversais e de enorme retorno. Estima-se que a IA possa contribuir com mais de 10% do PIB global até 2030. Um investimento nacional numa infraestrutura desta natureza poderia atrair empresas multinacionais, startups, centros de investigação e financiamento europeu, criando milhares de empregos altamente qualificados e bem remunerados.
A Europa encontra-se hoje excessivamente dependente de tecnologias desenvolvidas nos EUA e na China. Uma AI Gigafactory em Portugal, inserida numa estratégia europeia, permitiria reforçar a soberania tecnológica da UE e garantir que os sistemas de IA utilizados em solo europeu respeitam os nossos valores democráticos, éticos e legais.
A IA tem potencial para revolucionar setores tradicionais da economia portuguesa, como o turismo, a agricultura ou a indústria têxtil, através da automação inteligente, previsão de tendências, personalização de serviços e otimização logística. Uma Gigafactory poderia funcionar como catalisador desta transformação, ligando ciência, inovação e empresas.
Com oportunidades de investigação de ponta e remunerações competitivas, uma infraestrutura desta natureza seria um forte incentivo para que jovens engenheiros e cientistas portugueses fiquem no país ou até regressem. Poderíamos inverter a tendência de fuga de talento, com impacto direto na inovação e produtividade.
Com o Plano de Recuperação e Resiliência, fundos europeus ainda disponíveis e um contexto internacional favorável à digitalização, Portugal tem hoje uma janela de oportunidade única. Mas estas janelas fecham-se depressa. O risco maior não é investir e falhar, é não investir e ficar para trás. Se não formos nós a liderar, alguém o fará. E nesse caso, em vez de exportarmos conhecimento e tecnologia, limitamo-nos a importar soluções e pagar licenças, mantendo-nos dependentes e periféricos na nova ordem digital.
Ter uma AI Gigafactory em Portugal é mais do que uma ambição tecnológica. É uma afirmação estratégica de que queremos estar no centro da próxima revolução económica, e não nas margens. É uma decisão que exige visão política, concertação entre o setor público e privado, e coragem para pensar em grande. O futuro da economia portuguesa passa pela capacidade de gerar valor a partir do conhecimento. E poucas apostas hoje são tão transformadoras quanto a inteligência artificial. Construamos, pois, esse futuro com inteligência, ambição e visão.