
A entrada em vigor do Genius Act nos EUA, que coloca as “stablecoins” (criptomoedas indexadas a um ativo mais estável) no centro do dinheiro virtual, está a acelerar os planos de Bruxelas para criar um euro digital. Fontes ouvidas pelo jornal britânico Financial Times indicam que a União Europeia (UE) está preocupada com a competitividade da sua moeda digital e quer agir o mais rápido possível – e o futuro do projeto pode mesmo passar por redes de “blockchain” como a ethereum e a solana.
A aprovação rápida de um quadro regulatório para as “stablecoins” nos EUA terá deixado “muitas pessoas nervosas” em Bruxelas, indica uma fonte do jornal, com a palavra de ordem a ser agora “acelerar”. O Banco Central Europeu (BCE) tem vindo a trabalhar no euro digital há vários anos e, de acordo com o calendário do projeto, a autoridade monetária deverá decidir em outubro se avança (ou não) para a próxima fase. No entanto, para conseguir tomar esta decisão, é necessário o Parlamento Europeu dar “luz verde” ao projeto – um diploma que já está há vários anos perdido nos corredores de Estrasburgo.
No mês passado, o Congresso norte-americano deu “luz verde” ao Genius Act e a uma lei que impede a Reserva Federal (Fed) dos EUA de criar um dólar digital, após lóbi intenso da indústria dos criptoativos nas últimas eleições presidenciais. O mercado das “stablecoins” está bastante concentrado e é dominado pelo dólar, com 99% destas criptomoedas em circulação a estarem indexadas à “nota verde”. Vários membros do BCE estão atentos a esta questão e têm deixado avisos de que o uso massivo destes ativos digitais pode levar uma “dolarização” da economia e ameaçar a soberania monetária da região.
Para acelerar o projeto, Bruxelas estará a ponderar lançar o euro digital na rede “blockchain”, em vez de criar uma rede privada – que era, aliás, o plano original, com o BCE a alegar preocupações com a privacidade dos utilizadores. O banco central esclareceu ao Financial Times que estava a considerar “diferentes tecnologias — tanto centralizadas como descentralizadas — no desenvolvimento do euro digital” e que ainda nenhuma decisão tinha sido tomada.
Os EUA e a UE estão em rota de colisão em relação ao futuro do dinheiro digital. Enquanto a administração Trump tem apostado todas as fichas nas “stablecoins”, utilizando uma tecnologia já existente para reforçar o domínio do dólar na economia global, a Europa tem optado por desenvolver a sua própria moeda digital emitida por um banco central (CBDC, como são conhecidas) de forma a combater o que Christine Lagarde, presidente do BCE, chama de “privatização do dinheiro”.
No seu relatório anual sobre a posição internacional da moeda única europeia, o BCE descrevia o euro digital como o motor para assegurar “um sistema de pagamentos mais competitivo e resiliente”, em detrimento das “stablecoins”. Sem este projeto, a autoridade monetária acredita que a Zona Euro “pode sentir um impacto direto das decisões tomadas pela Administração dos EUA e pelo banco central norte-americano”, como explicou Alessandro Giovannini, conselheiro do BCE para o euro digital, ao Negócios no mês passado. Para o economista, a UE não pode deixar que a “nota verde” se torne o ponto de referência para os cidadãos europeus, uma vez que, assim, seriam os EUA a determinar a condição financeira da Zona Euro. “E isso é problemático para a nossa política monetária”, esclareceu.