As presidenciais mais imprevisíveis dos últimos 40 anos

O Instituto Mais Liberdade voltou a organizar o Campus da Liberdade no passado fim-de-semana, naquele que já é o maior e mais politicamente abrangente evento do género do país. Desta vez incluiu uma conversa de 30 minutos com os quatro principais candidatos presidenciais segundo as sondagens, em que jovens fizeram várias perguntas elaboradas por eles e selecionadas democraticamente entre os próprios.

O plano original era ter um candidato por cada um dos três dias. A apresentação da candidatura de João Cotrim Figueiredo umas semanas antes e o adiamento de uma das apresentações devido ao luto nacional levaram a que acabassem por ser quatro candidatos em dois dias: no sábado, Cotrim Figueiredo e Gouveia e Melo, no domingo, Marques Mendes e Seguro. O acaso acabou por colocar os candidatos emparelhados por proximidade de posicionamento. No sábado, candidatos com uma estética muito semelhante, com todos os benefícios e desafios de andarem há pouco tempo na política. No domingo, candidatos mais ligados aos partidos tradicionais — com os respetivos benefícios e desafios simétricos — embora, por motivos diferentes, ambos não reúnam consenso dentro dos respetivos partidos.

Cotrim Figueiredo foi o primeiro e esteve no seu ambiente natural, entre jovens qualificados (ou prestes a sê-lo) e curiosos em relação ao liberalismo. Será difícil, embora já não improvável, chegar à segunda volta, mas se fossem só os jovens a votar, as probabilidades subiriam substancialmente. Se André Ventura não conseguir ultrapassar o seu medo de enfrentar Gouveia e Melo, e entregar a candidatura a uma segunda linha do partido, é mesmo possível que Cotrim Figueiredo vença o voto jovem. A estética é cada vez mais importante na política. Esta é uma área em que Cotrim ganha com a capacidade natural de emanar simultaneamente autoridade e juventude (desafio qualquer pessoa a adivinhar a diferença de idades entre ele e António Filipe), juntando a isso a capacidade de passar mensagens em frases curtas, essencial na economia de atenção em que se tornou a política. Deixou no ar a ideia de que o presidente deve concentrar mais poderes, nomeadamente vetos irreversíveis em determinadas áreas, algo que deverá explicar melhor em campanha.

À saída Cotrim Figueiredo cruzou-se com Gouveia e Melo, dois candidatos com várias semelhanças de estilo e imagem. Não é por acaso que os eleitores da IL se inclinavam para Gouveia e Melo na última sondagem antes do anúncio de Cotrim Figueiredo. Gouveia e Melo (e não Marques Mendes, como se poderia pensar) deverá ser o maior perdedor com a candidatura de Cotrim Figueiredo. Ainda falta muito tempo, mas não é impossível que, na noite eleitoral, Marques Mendes se aperceba de que foi a candidatura de Cotrim Figueiredo que lhe valeu o bilhete para a segunda volta e, quem sabe, a Presidência.

Talvez por entender o seu público, ou mesmo por convicção, Gouveia e Melo apresentou a visão mais liberal dos poderes do Presidente da República de todos os candidatos: poderes limitados, com respeito pelas decisões da Assembleia da República, que representa melhor a diversidade de pensamento dos portugueses do que pode fazer qualquer pessoa sozinha, mesmo sendo Presidente. Para Gouveia e Melo, as legislaturas são para levar até ao fim, nem que para isso a Assembleia da República tenha de nomear outro governo a meio do seu mandato. Bomba atómica, só em último caso, uma ideia com a qual simpatizo. Ainda bem que respeita os pdoeres da Assembleia da República, porque quando é convidado a falar sobre temas que são competência da Assembleia da República e do governo (educação, saúde, imigração), dá sempre respostas redondas. Nem que seja por falta de visão para esses assuntos, não se espera que Gouveia e Melo queira governar a partir de Belém. Também garantiu que não formará nenhum partido como Eanes. A falta de experiência política notou-se em alguns deslizes. Gouveia e Melo ainda não percebeu que na esfera pública uma dúvida pode ser vista como uma afirmação e uma provocação como uma convicção. Luís Bernardo vai ter muito trabalho.

O domingo começou com Marques Mendes, o único repetente no evento. Ele é o mais experiente político na corrida e não deixa de o relembrar nas suas intervenções. Ainda os pais de alguns dos presentes eram crianças, já Marques Mendes andava na política. Sendo experiente é, por isso, o mais previsível. Estará ali num ponto intermédio entre Marcelo Rebelo de Sousa e Aníbal Cavaco Silva. As respostas foram todas nesse sentido. A grande vantagem de Marques Mendes é que, num ambiente instável, ser um Presidente previsível pode ser algo positivo. Não é, no entanto, certo que o espírito dos tempos seja esse e isso será o seu grande desafio eleitoral.

Marques Mendes e Seguro estão numa situação semelhante. Ambos terão de trabalhar para conseguirem emanar a mesma imagem que Gouveia e Melo e Cotrim Figueiredo conseguem naturalmente (a genética é injusta e num mundo ideal deveria ser irrelevante, mas não é). Ambos têm resistências dentro do seu próprio partido (mais Seguro do que Mendes, é certo) por a certa altura terem tomados decisões difíceis e impopulares, embora acertadas. O eleitorado até pode premiar a coragem presente, mas tende a esquecer a do passado. Já o ressentimento é eterno e acumula juros compostos.

Seguro, o último a falar no evento, está numa posição particularmente difícil. À direita do PS, onde poderia ir buscar votos moderados, existem bastantes candidatos. No PS está longe de ser consensual precisamente pela sua moderação e pela oposição interna a Sócrates e Costa. Uma parte do PS não esconde a sua oposição a esta candidatura. Outra parte até poderá afirmar publicamente que votará em Seguro, mas, no segredo da cabine do voto, a caneta poderá acabar por escorregar para o nome de Catarina Martins, o que será simbólico do rumo que o PS tomou.

O Costismo tem muito poder e é alimentado pelo combustível mais potente e renovável da ação humana: o ressentimento. Tal como Cotrim Figueiredo, Seguro conseguiu dar respostas curtas e incisivas e até arrancou o único aplauso de pé das quatro candidaturas com uma intervenção final sobre a liberdade. Seguro será a segunda opção de muitos eleitores (incluindo, muitos naquela sala), mas os eleitores só podem votar num. Um enorme desafio eleitoral.

No sábado à noite, já as câmaras de televisão tinham abandonado o recinto com Gouveia e Melo, veio Paulo Portas dar uma palestra sobre geopolítica no âmbito da programação normal do Campus da Liberdade. A falar para uma faixa etária em que o défice de atenção parece ter-se tornado numa característica dominante, e não a exceção, Portas conseguiu captar o interesse silencioso durante mais de 2 horas entre pessoas que ainda eram pré-adolescentes da última vez que exerceu algum cargo político. No final, um aplauso entusiástico de pé (o único entre os oradores daqueles três dias, para além de Seguro), apesar de ter sido responsável por atrasar o jantar em uma hora. Um orador exímio, conhecedor dos temas e que parece ter aprendido com a experiência e os seus erros.

As gerações mais velhas no seu espaço político não esquecerão o irrevogável que o irá marcar para sempre. Esse episódio ditou o destino do CDS, condenando Cristas e Rodrigues dos Santos a serem gestores de declínio. Mas o declínio do CDS não tem só que ver com o erro irrevogável, mas acima de tudo com a estratégia dos anos anteriores de tornar o partido excessivamente dependente de Portas. Quando Portas falhou, como é previsível que a certa altura falhe qualquer ser humano, o partido não tinha para onde se virar. Hoje continua a existir formalmente, mas o facto de ter de passar o tempo a dizer que não é o que dizem que é, é o sinal de que é mesmo.

Portas poderia ter nestas presidenciais a oportunidade de redenção, mobilizando novamente a máquina e reavivando o que resta do CDS. Continua um orador exímio e talvez o tempo o tenha absolvido na sua área política. Poderia aspirar a um resultado respeitável que reabilitasse o CDS, mas as probabilidades de sucesso pessoal seriam ínfimas. Já os custos de voltar a sofrer o escrutínio de uma disputa eleitoral poderiam ser imensos. Quando questionado por um dos participantes se estaria disponível para ser candidato presidencial, utilizou um outro “ável”. Desta vez, a resposta foi “improvável”.

Contrariando um pouco o cinismo e a negatividade que marcam o espírito dos dias, penso que temos o mais interessante lote de candidatos presidenciais dos últimos 40 anos, tendo em conta as circunstâncias de um país como Portugal. Serão por isso, também, as eleições presidenciais mais imprevisíveis de que há memória. E ainda podem chegar mais supresas.