Automóveis elétricos e a reinvenção urbana: promessa ou ponto de viragem?

A mobilidade urbana está a atravessar uma mudança estrutural. Num cenário marcado por desafios ambientais, tecnológicos e sociais, o automóvel elétrico surge como peça-chave no redesenho das cidades. Mas para além da inovação técnica, importa refletir sobre o que realmente significa esta transição – e que papel pode ter na construção de um novo modelo urbano.

Nos primeiros sete meses de 2025, mais de 163 mil veículos novos foram colocados em circulação em Portugal. É um crescimento sólido de 5,9% face ao mesmo período do ano anterior. Destes, 20% são 100% elétricos, a que se somam cera de 37% híbridos — o que significa que quase seis em cada dez carros vendidos já têm algum grau de eletrificação.

A eletrificação do automóvel representa um dos avanços mais significativos do setor nas últimas décadas. Para além da redução das emissões diretas, os automóveis elétricos são mais silenciosos, mais eficientes e cada vez mais integrados em ecossistemas digitais. São uma resposta sólida às exigências ambientais e às novas expectativas da sociedade. Mas, acima de tudo, são uma oportunidade: a oportunidade de pensar de forma diferente o lugar do automóvel na cidade.

É verdade que, por si só, a eletrificação não resolve todos os problemas urbanos. Congestionamento, desigualdade no acesso à mobilidade, entre outros, são questões que transcendem o tipo de motor. No entanto, o automóvel elétrico é um ponto de partida poderoso. Quando integrado numa visão mais ampla de cidade – com redes de carregamento inteligentes, produção energética renovável, mobilidade partilhada e transporte público consolidado – o automóvel elétrico deixa de ser apenas um objeto de consumo e passa a ser um vetor de transformação.

A grande mudança está precisamente na articulação entre tecnologia e urbanismo. O automóvel elétrico tem o potencial de contribuir para cidades mais silenciosas, menos poluentes e energeticamente mais eficientes. Mas esse impacto só será real se for acompanhado por decisões estruturais: planeamento urbano orientado para a proximidade, infraestruturas preparadas para a transição energética e políticas públicas que incentivem uma mobilidade mais diversificada, acessível e intermodal.

Do lado da indústria, há também uma responsabilidade clara. A eletrificação não deve ser encarada apenas como uma exigência regulamentar, mas como um compromisso com a inovação responsável. E isso implica agir em várias frentes: na circularidade dos materiais, na produção com energia renovável, na transparência da cadeia de valor e na criação de soluções tecnológicas que promovam uma mobilidade mais eficiente e sustentável. Cada vez mais, os consumidores reconhecem e valorizam este esforço – não como um extra, mas como um critério essencial de escolha.

É neste ponto que o setor automóvel pode, e deve, liderar pelo exemplo. Não apenas pelo que coloca nas estradas, mas pela forma como participa ativamente na redefinição das cidades. A mobilidade elétrica, quando bem enquadrada, pode ser o motor de um novo urbanismo – mais limpo, mais equilibrado e mais centrado nas pessoas.

A transição está em curso e é irreversível. O debate que importa agora é sobre o modelo de cidade que queremos construir. E nessa visão, o automóvel elétrico não é o fim da linha – é o começo de uma mobilidade mais inteligente, mais consciente e mais alinhada com os desafios do nosso tempo.