Conciliar trabalho e família ascendente é um enorme e ainda invisível repto

Deverão as organizações cuidar dos trabalhadores-cuidadores, os que acumulam emprego formal com cuidados informais a pessoas dependentes?  A resposta deverá ser: Como poderão negligenciar uma realidade em crescimento, impulsionada pelo envelhecimento populacional, insuficiência de suporte profissional e falhas institucionais?

Este foi um tema explorado de forma inspiradora em “Trabalhadores-cuidadores nas organizações, um desafio de diversidade geracional e não só” (Raquel Franco, 2024[i]), que aqui sinalizo e recomendo a leitura integral.

O envelhecimento populacional (português) convoca um enorme e invisível repto: cada vez mais pessoas dependem de cuidados prolongados, mas a rede pública e privada é insuficiente, dispendiosa e de acesso limitado. Assim, tal responsabilidade recai sobre cuidadores informais, geralmente familiares que conciliam a vida profissional com longas horas de apoio aos seus pais ou outros parentes dependentes.

Este cenário gera um impacto direto nas organizações: trabalhadores-cuidadores enfrentam exaustão física e emocional, têm menos disponibilidade, maior absentismo e podem reduzir a produtividade ou abandonar o emprego. Ignorar esta realidade significa perda de talento, custos elevados com substituições e menor coesão interna, sobretudo quando surgem questões éticas entre quem cuida e quem não tem essa responsabilidade.

Reconhecer esta realidade é o primeiro passo para agir, sobretudo porque cuidar pode ser encarado como uma questão privada, à margem do âmbito do empregador. No entanto, quando essa dimensão se manifesta (fadiga, absentismo, diminuição de produtividade) torna-se inevitavelmente uma questão organizacional. Reconhecer e intervir não é invasão, mas sim uma boa prática de gestão estratégica.

Há já organizações que oferecem flexibilidade de horários, licenças remuneradas, subsídios diretos e acesso a plataformas de gestão de cuidados ou serviços de concierge que auxiliam a encontrar soluções de apoio ao isolamento dos familiares ou gerem a burocracia associada ao cuidado. No campo tecnológico, algumas plataformas facilitam a coordenação de tarefas entre familiares, contratam cuidadores temporários e fornecem informação de saúde. Grupos internos de entreajuda têm-se mostrado eficazes para partilha de experiências, reduzindo o isolamento dos cuidadores.

Boas práticas nas organizações (privadas, públicas ou setor social) podem incluir: flexibilidade de horários e trabalho híbrido para reduzir deslocações e facilitar a gestão do tempo; licenças específicas para cuidar de familiares dependentes; programas de apoio psicológico e formações sobre cuidados e doenças crónicas; parcerias com empresas especializadas que ofereçam preços acessíveis para cuidados profissionais; promoção de empatia e coesão social interna, sensibilizando os colegas para a importância do papel do cuidador.

Valorizar a coexistência de gerações no local de trabalho – trabalhadores mais velhos (cuidadores) e jovens sem encargos familiares – é igualmente uma boa prática: a diversidade inclui também experiências de vida e responsabilidades extraprofissionais. Apoiar trabalhadores-cuidadores não é (apenas) solidariedade, mas antes gestão inteligente e gestão ética com potencial para: aumentar a retenção de talento; reduzir o absentismo e presentismo; reduzir o stresse moral, depressões e burnout; fortalecer a reputação organizacional. E, ainda, preparar a sociedade para um futuro com maior longevidade, criando um ambiente mais humano, inclusivo, equitativo e sustentável.

“O cuidar em casa, mesmo sem as famílias se terem preparado para tal, é uma inevitabilidade. Se aprendermos no local de trabalho a compreender que há quem o faça e a desenvolver empatia por essas pessoas e essas situações, estaremos mais bem preparados para o que virá. Se as organizações aprenderem a ser solidárias com essa realidade, apoiando a diversidade geracional e o que essa representa também em termos de exigências extraprofissionais, quando se regressa a casa, estaremos a caminhar para uma sociedade mais capaz e mais saudável.” (Raquel Franco, 2024, pg.93)

[i] Raquel Campos Franco (2024). Trabalhadores-cuidadores nas organizações, um desafio de diversidade geracional e não só, in Ética e Diversidade Geracional: (Des)Encontros?, 89-93, disponível em  Open Books da UCP Editora.