
Num tempo em que os impactos das alterações climáticas são cada vez mais visíveis seria de esperar uma melhor resposta coletiva: agir para travar as crises climática e de biodiversidade. No entanto, há um obstáculo silencioso que mina essa urgência: a desinformação climática.
Esta desinformação ganha terreno sobretudo em contextos de incerteza, crise ou perante fenómenos extremos: as pessoas estão mais vulneráveis a discursos que apelam à emoção e menos propensas a filtrar o que leem ou ouvem. Assim proliferam teorias da conspiração, meias-verdades e narrativas que desviam o foco das soluções baseadas na ciência.
Hoje, a desinformação sobre o clima vai além do negacionismo e assume formas mais subtis: questiona a eficácia das soluções, distorce factos para alimentar narrativas polarizadoras ou propõe falsas alternativas com aparência técnica e inovadora. Este tipo de discurso tem consequências profundas: enfraquece a confiança nas medidas necessárias, atrasa decisões políticas e divide a sociedade.
Tal como noticiado pela agência LUSA, um estudo recente do Center for Countering Digital Hate mostrou que as maiores plataformas digitais amplificam deliberadamente conteúdos de desinformação ligados a eventos climáticos extremos – geram mais cliques, mais interações e mais lucro. Estamos, portanto, perante um sistema que monetiza a inação, mesmo quando a ciência é clara e o tempo escasso.
Em Portugal, onde o fenómeno é ainda menos intenso que noutros países, não estamos imunes. Os dados mais recentes do Eurobarómetro indicam que 90% dos portugueses considera as alterações climáticas um problema grave. Este é um ponto de partida promissor, mas não suficiente: 50% dos portugueses dizem ter dificuldade em distinguir informação credível de desinformação nas redes sociais e 56% dos portugueses consideram pouco claras as explicações dos meios de comunicação tradicionais sobre alterações climáticas.
Reconhecem, por isso, que o contexto atual é propício à desinformação e pode moldar as suas perceções. E fá-lo com meios desproporcionais. As campanhas de desinformação, muitas vezes financiadas por interesses económicos e políticos que lucram com o atraso climático, superam em velocidade e alcance os recursos dedicados a políticas públicas de literacia e comunicação climática.
Este desequilíbrio revela uma falha estrutural que não pode ser ignorada. Governos, instituições europeias e organismos internacionais têm de assumir um papel mais firme e coordenado na defesa do espaço público, democrático e de cidadania.
Não basta apelar à responsabilidade voluntária das plataformas digitais ou confiar na autorregulação dos meios de comunicação – é preciso reforçar as políticas públicas, garantir financiamento adequado e criar formas eficazes de monitorização e resposta. Importa, por exemplo, estabelecer mecanismos de regulação públicos e independentes e criar transparência e responsabilização relativamente aos algoritmos. É ainda preciso apoiar meios de comunicação independentes e gratuitos que disponibilizam informação de qualidade, bem como promover a literacia mediática e criar medidas específicas de combate à desinformação durante crises ou catástrofes, como os incêndios que assolam Portugal neste momento.
Sem este compromisso político, a desinformação continuará a fragilizar a ação climática. Combatê-la é criar resiliência – ecológica e social. E, neste combate, ou travamos a desinformação, ou ela trava o futuro que ainda podemos construir.