
O ensino superior português vive um momento decisivo. Há sinais de mudança vindos do Ministério da Educação, há o alerta claro do mais recente “ranking” de Xangai e há a necessidade de afirmar a excelência universitária a nível internacional. Estes fatores mostram que não basta gerir a rotina — é urgente repensar o papel do sistema universitário no futuro do país.
O ministro da Educação tem insistido na modernização e simplificação de processos. É um passo muito positivo e necessário. A revolução da inteligência artificial está a transformar profissões, competências e métodos de aprendizagem a um ritmo vertiginoso, e Portugal não pode ficar para trás. Mas há outro desafio incontornável: garantir excelência universitária a nível internacional. A simplificação administrativa, por si só, não chega. O problema é mais estrutural: temos um sistema pesado, com redundâncias, que se tornou lento na resposta e pouco ambicioso na visão.
A grande questão é: que papel queremos para o ensino superior português? Onde nos queremos posicionar em termos de qualidade, impacto e relevância internacional?
Pouco se ouve falar sobre a ambição internacional dos líderes universitários e as metas que desejam alcançar. No Ranking de Xangai 2025 publicado na semana passada, um dos mais influentes indicadores da qualidade universitária, voltou a colocar Portugal na mesma posição de sempre. Nenhuma universidade portuguesa surge entre as 200 melhores do mundo. Duas aparecem entre as posições 200 e 300, uma entre 300 e 500 e quatro entre 500 e 1.000. Não houve queda brusca, mas a estagnação é preocupante.
Este imobilismo traduz-se em perda de competitividade académica internacional. Basta olhar para exemplos próximos: a Bélgica tem duas universidades (Ghent and Leuven) no top 100, Alemanha tem quatro universidades no top 100, trinta e cinco no top 500 e cinquenta e uma no top 1.000, a Espanha dez no top 500, trinta seis no top 1.000 e, até Macau tem duas universidades no top 500. Portugal, com sete no top 1.000, continua numa posição periférica – como aquele aluno que passa sempre, mas nunca com nota suficiente para se gabar no grupo de amigos.
Estes resultados contrastam com a recente avaliação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que atribuiu classificações de “Excelente” e “Muito Bom” a muitas unidades orgânicas. Esta divergência sugere que os critérios nacionais e internacionais não estão totalmente alinhados — e essa diferença deve ser analisada para orientar estratégias mais eficazes. Se analisarmos ao detalhe vemos que existem algumas unidades orgânicas são avaliadas em Portugal como excelentes ou muito boas, mas que no Ranking Xangai não passam do intervalo dos 400 ou 500 (ou pior).
Tal como a França ou Alemanha, o Reino Unido decidiu há uns anos mudar a forma como avalia a ciência e os seus centros, dando maior destaque à qualidade da investigação. Em qualquer investigação, mesmo na fundamental, todos os artigos têm de mostrar o seu impacto.
Parte do problema português é estrutural: financiamento insuficiente, burocracia excessiva, dificuldade em atrair e reter académicos de referência e dispersão de recursos por demasiadas áreas e cursos. A tudo isto soma-se a tendência para preservar feudos institucionais — pequenos reinos onde a inovação é vista, muitas vezes, como uma invasora indesejada. Falta só a coroa e o brasão à porta do gabinete. Acrescentando a rigidez do setor público, onde a estabilidade profissional nem sempre incentiva a inovação ou a busca contínua pela excelência.
Mas há claramente margem para evoluir. Portugal tem investigadores de excelência, professores dedicados e estudantes talentosos. “Rankings” como o de Xangai valorizam sobretudo a produção científica de alto impacto, e por isso qualidade e relevância contam tanto como quantidade.
É necessário repensar profundamente o desenho dos cursos. Durante anos, a estratégia de aumentar a carga letiva serviu sobretudo para justificar a abertura de mais lugares de docência, mas isso criou um sistema pouco eficiente. O resultado é que muitos professores passam a maior parte do tempo em sala de aula, sobrando pouco espaço para investigação de nível internacional. O equilíbrio entre ensino e investigação está desajustado e compromete a capacidade de competir globalmente. Criar condições para que os docentes tenham mais disponibilidade para investigação é crucial.
Os “rankings” não são a única medida da missão universitária, mas influenciam de forma decisiva a atração de talento, a capacidade de gerar inovação e a preparação de profissionais para um mercado globalizado. Uma universidade que investe na excelência contribui diretamente para o desenvolvimento e prestígio do país.
Portugal é como uma equipa que se mantém na primeira divisão, mas sem lutar pelo título. O Ranking de Xangai não é uma sentença, mas um aviso: ou mudamos agora, ou arriscamos a irrelevância. Ainda vamos a tempo de transformar o ensino superior português num verdadeiro motor de desenvolvimento e prestígio. Mas isso exige abandonar a gestão rotineira, assumir a mudança e acreditar que podemos competir com os melhores.
E se, no final, conseguirmos subir posições, talvez possamos finalmente discutir universidades portuguesas no top 100 sem a habitual conversa de café: “Ah, mas na nossa rua temos uma pastelaria que é a melhor do mundo.” Porque talento já temos — falta é ambição.
Que papel queremos para o ensino superior português? Onde nos queremos posicionar em termos de qualidade, impacto e relevância internacional?