
Os resultados da primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNA) deviam ser um motivo de celebração. Mas, infelizmente, os números revelados não deixam margem para otimismo: só 44 mil estudantes foram colocados, o valor mais baixo da última década, e ficam agora por preencher 11 mil vagas – o dobro do ano passado.
Para mim, este dado não é apenas estatístico. É um alerta vermelho. A Educação é a base de qualquer país que se quer desenvolvido. Populações instruídas geram mais capital humano, mais inovação e, claro, mais valor económico. Se falhamos aqui, estamos a comprometer o futuro do país.
Mas o que mais me preocupa é o perfil dos alunos que ficam de fora: o número de colocados com carência económica voltou a descer. Não é porque as famílias estão melhor. É porque o ensino superior está a tornar-se um privilégio para quem tem estabilidade financeira – e não um direito universal. Estamos, aos poucos, a empurrar Portugal para um ensino superior desigual e elitista. Não o podemos permitir.
As razões são claras e, diria, até óbvias: Primeiramente, a crise económica, uma em cada dez famílias vive com menos de 300€ por mês, segundo o “Portugal, Balanço Social 2024”. Como pode uma família nestas condições suportar as despesas de um filho na Universidade? Em segundo, um problema colossal europeísta, a grave crise habitacional, rendas incomportáveis, custos de alimentação e deslocações que fazem com que estudar fora de casa seja um luxo para muitos. O sonho da universidade desaparece quando o orçamento familiar tem de ser gerido mensalmente com muito rigor e cuidado – uma situação em que aceder ao Ensino Superior passa para quarto plano.
Por último, as mudanças no regime de acesso, em que as novas regras do CNA, com maior peso da média do secundário e a obrigatoriedade da prova de Português, e outras duas provas, criaram mais barreiras para os discentes. O que deveria ser um incentivo à qualidade acabou por afastar quem já estava mais vulnerável nas diferentes dimensões. Ou seja, o Ensino Superior está a deixar de ser igualitário no seu acesso, a promover valor e passa a deixar de fora uma grande franja da sociedade. Neste momento, o impulsionador de mobilidade social está a desaparecer e a contribuir para aumentar ainda mais as desigualdades sociais.
Perante isto, defendo sem hesitar: precisamos de mais autonomia para Universidades e Politécnicos no acesso ao Ensino Superior, devendo ser visto como único e estabelecendo critérios mais diversificados e flexíveis. Só assim conseguiremos um sistema mais justo e verdadeiramente inclusivo. Temos de cumprir o que está consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e que falta tornar exequível no quotidiano na nossa sociedade: a liberdade de ensinar e de aprender.
À semelhança do que acontece em outros países europeus é preciso trazer as famílias para o processo de decisão na escolha das Universidades, podendo contribuir de forma ativa na escolha da Instituição de Ensino e do Curso dos seus educandos. Estaremos assim a contribuir para uma maior retenção de talento, pois os alunos estudam nas áreas que realmente pretendem e que têm aptidões para o fazer. As notas internas do ensino secundário e os exames nacionais não devem ser critérios exclusivos de seriação. As Universidades têm de ir mais longe e analisar outras competências transversais, que tanto se fala no ensino básico e secundário, bem como da sua importância para a vida profissional.
Estará o nosso sistema de acesso ao ensino superior obsoleto perante estes dados? Por exemplo, em Espanha cada Universidade possui os seus critérios de seleção de candidatos. Nos países nórdicos existe a possibilidade de atribuição de bolsas e a gratuitidade para muitos alunos da União Europeia. Por que não seguimos exemplos como estes? Por que não fazemos cumprir o direito à liberdade de ensinar e de poder escolher onde os nossos educandos podem estudar?
É urgente que o Estado assuma responsabilidades: criar mais residências universitárias, aproveitar fundos do PRR para dar respostas rápidas, e apostar em incentivos para estudar no interior — quebrando a polarização dos grandes centros urbanos. A pergunta que deixo é simples: queremos um país onde só alguns podem estudar, ou um país onde a Educação é realmente o motor de desenvolvimento e igualdade? Porque, se nada mudar, estaremos a hipotecar não apenas o presente dos jovens, mas também o futuro de Portugal.