Europa, refém tecnológica dos F-35 à inteligência artificial

O caça norte-americano Lockheed Martin F-35 Lightning II (conhecido por F-35) é considerado como o avião de combate mais avançado do mundo, mas é também um verdadeiro “cavalo de Troia tecnológico”. Esta metáfora é inspirada no episódio da Guerra de Troia na mitologia grega, em que os gregos ofereceram aos troianos um grande cavalo de madeira aparentemente inofensivo, mas que escondia soldados no seu interior. Ao aceitá-lo, os troianos permitiram a entrada do inimigo na cidade. No caso dos F-35, a metáfora aplica-se na perfeição porque, apesar de ser um caça de última geração com capacidades únicas, inclui mecanismos que continuam controlados pelos EUA.

Quem hoje compra um F-35 não tem 100% de autonomia para operar, modificar ou manter a frota. Vários países europeus (e.g. Itália, Reino Unido, Países Baixos, Noruega, Dinamarca, Alemanha, Polónia, Finlândia, entre outros) pagaram milhares de milhões por uma frota que, em última análise, não controlam totalmente. O software, os códigos-fonte e até a manutenção passam por um funil centralizado nos EUA, através do chamado sistema ODIN, que pode, se Washington quiser, atrasar atualizações, restringir armamento ou até imobilizar aeronaves. Portugal, que planeava substituir os seus F-16 por F-35, recuou ao perceber que a “chave” do avião ficaria no bolso de outro país.

O F-35 é um espelho do dilema europeu e a questão que se coloca é: queremos ser protagonistas na defesa ou apenas pilotos convidados a voar máquinas parcialmente controladas por outros?

Num cenário geopolítico dominado pela rivalidade entre os EUA e a China, a Europa enfrenta um dilema estratégico decisivo: como garantir a sua soberania tecnológica sem ficar refém das agendas externas? Esta não é apenas uma questão de competitividade económica, mas também de autonomia política, segurança e capacidade de moldar o seu próprio futuro.

Infelizmente isto não acontece apenas em setores militares. Por exemplo, os gigantes tecnológicos que dominam a IA são quase todos americanos. Empresas como OpenAI, Google, Microsoft, Amazon, Meta, Apple, Anthropic, xAI, Cursor (Anysphere) controlam grande parte das infraestruturas digitais globais, desde motores de busca e redes sociais até sistemas operativos e serviços cloud. Na China, gigantes como Huawei, Tencent, Alibaba e ByteDance (TikTok) surgem como contrapesos, fazendo parte de uma estratégia estatal de autossuficiência tecnológica. E a Europa? Apesar da excelência científica europeia e de alguns bons exemplos (como as francesas Mistral AI e Dataiku ou a inglesa DeepMind), a presença europeia é muito tímida. Esta assimetria significa que os algoritmos, infraestruturas e dados de que dependemos são controlados por outros.

Também a capacidade das infraestruturas de IA apresenta diferenças significativas. Os EUA contam com cerca de 5.381 “data centers”, o que representa aproximadamente 40% da infraestrutura global. Embora os números da China sejam menos documentados, sabe-se que o país ocupa uma posição próxima à dos EUA, controlando uma parte substancial da infraestrutura global. Já na Europa, existem cerca de 1.200 instalações de “data centers”, um valor claramente inferior ao das duas potências líderes.

A Europa não é pobre em talento nem em ciência, mas sofre de fragmentação, lentidão regulatória e falta de investimento. Sem uma estratégia conjunta para criar campeões tecnológicos próprios, o continente continuará vulnerável e incapaz de decidir de forma autónoma nas áreas mais críticas para a sua economia, segurança e democracia.

A soberania tecnológica vai além da capacidade de produzir hardware ou desenvolver software. É a aptidão para conceber, controlar e regular as tecnologias críticas de forma independente. Inclui infraestruturas digitais, semicondutores, inteligência artificial, cibersegurança, computação quântica e, cada vez mais, tecnologias energéticas e biotecnológicas.

Sem soberania tecnológica, a Europa arrisca-se a tornar-se um consumidor passivo de inovações alheias, com a sua capacidade de decisão condicionada por interesses externos.

Para enfrentar este desafio, a Europa terá de combinar políticas industriais ambiciosas com investimento consistente e uma visão estratégica de longo prazo que permita construir campeões europeus, evitando que startups estratégicas sejam adquiridas por rivais externos; investir em tecnologias críticas (IA, semicondutores, tecnologia quântica, baterias, energias renováveis); harmonizar os quadros regulatórios para criar um mercado digital verdadeiramente único; formar e reter especialistas e empreendedores; desenvolver parcerias estratégicas que equilibrem cooperação global e proteção de interesses próprios.

Com visão estratégica, coordenação transnacional e coragem política, o nosso continente pode transformar-se num polo tecnológico independente, capaz de rivalizar com os EUA e a China. A escolha está diante de nós e, tal como aconteceu noutros momentos da história europeia, o desafio não é a falta de talento ou conhecimento, mas a capacidade de agir em conjunto e com ambição. Mas será que desta vez vai ser diferente?

Este será um dos temas que vamos discutir numa conferência internacional sobre o tema “O Futuro da Europa: Defesa, Inovação Tecnológica, Reindustrialização, Geopolítica”, que terá lugar nos dias 27 e 28 de outubro de 2025 na Nova SBE em Carcavelos. A conferência conta com o apoio institucional do Governo de Portugal, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, bem como da Embaixada da Dinamarca em Lisboa no contexto da Presidência Dinamarquesa do Conselho da União Europeia, que decorre este semestre. Este evento assinalará ainda o 40.º aniversário da adesão de Portugal à UE e reunirá decisores políticos, académicos, líderes empresariais e representantes da sociedade civil.

O encontro promoverá um diálogo estratégico sobre o papel global da Europa e o seu futuro em termos de resiliência, competitividade e autonomia, abordando temas-chave como: IA e soberania tecnológica, reindustrialização, economia e segurança da defesa, e alargamento e geopolítica da UE. Mais informações serão divulgadas em breve sobre este importante momento de reflexão e ação para o futuro da Europa.