
A Europa e as empresas francesas estão preocupadas com o impacto da crise política em França devido aos planos impopulares de aperto orçamental que podem contaminar a zona euro e até ameaçar o projeto europeu. Um cenário que se torna ainda mais delicado num momento inoportuno de tensões comerciais entre a UE e os EUA.
Os motivos não são para menos. A França está sob pressão para reduzir um défice que é quase o dobro do teto de 3% da UE e uma dívida pública equivalente a 114% do PIB, que deixa o país sob a guilhotina das yields. São 3,4 biliões de euros, um nível estratosférico de dívida que, se nada for feito, equivale a um aumento de cinco mil euros a cada segundo ou 300 mil euros por minuto.
A taxa de endividamento continua a aumentar, com especialistas a estimar que poderá chegar a mais de 125% do PIB até 2030. O destino da França está ameaçado por uma dívida que “submerge o país” e cujo financiamento absorve todo o crescimento económico. Bayrou tinha já denunciado duramente “o vício” em relação aos gastos públicos. Basta ver que apenas para pagar os juros, a França precisa de arrecadar 67 mil milhões de euros por ano.
Com as finanças da segunda maior economia da UE fora de controlo, os mercados incorporaram a perspetiva de turbulência política. Os investidores já estão a cobrar mais juros para emprestar dinheiro a França face a Itália (depois de ultrapassarem anteriormente os de Portugal ou da Grécia), algo inédito na história da zona euro. A França assume o comando do bad boy da Europa, que costumava ser a Itália, país anteriormente conhecido por turbulências políticas e fragilidade económica.
Os constantes conflitos entre os principais partidos políticos e o impasse sobre o orçamento de 2026, levam os economistas a perguntar se “a França é a nova Itália?”. A dívida gaulesa era de 113% do PIB em 2024, enquanto a de Itália era de 135%, após ter atingido os 158%, numa trajetória descendente apontada como uma das prioridades na agenda económica transalpina.
Mas a situação inverte-se no défice dos países nesse período: o governo de Giorgia Meloni assegurou um défice de 3,4% do PIB, mais perto da meta da UE, enquanto o da França foi de 5,8% do PIB – ao qual Bruxelas fechou os olhos por considerar que, o contrário, poderia dar força aos populistas. Um risco que terá ditado compromissos políticos com um país que está sob os Procedimentos de Défice Excessivo.
A frágil trajetória do défice francês ilustra o desafio que a França enfrenta para controlar os seus gastos, com o país mergulhado numa crise económica e política, que deu origem a uma crise social. Milhares de franceses manifestaram-se esta quarta-feira nas ruas e nem a nomeação do novo primeiro-ministro (o quinto em menos de dois anos) demoveu os protestos. Lecornu enfrentará a tarefa quase impossível de unir o parlamento e encontrar formas de aprovar o próximo orçamento para cobrir um rombo orçamental de 44 mil milhões de euros.
Impõe-se a pergunta: será a França capaz de se reerguer politicamente e implementar reformas, ou veremos uma crise de maior alcance na UE? Bayrou deixou alertas para uma hemorragia silenciosa, subterrânea, invisível e insuportável. A França é um navio a navegar em mares agitados, está a afundar em dívidas pesadas e o seu controlo é uma “questão de vida ou morte” para o país.