
1. O Nepal, com uma história bem diferente de um processo tradicional de independência, criou, em 1768, o Reino do Nepal, juntando e unificando territórios, formatando o Estado-Nação que ainda hoje vigora. Porém, só 155 anos depois, o governo britânico reconheceu formalmente (1923) a sua independência. Foi necessário, contudo, esperar pela Segunda Guerra Mundial para se iniciarem algumas pequenas alterações na orgânica obsoleta deste Estado-Nação.
A vida desta monarquia, que durou 240 anos, foi agitada, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX, com períodos de guerra civil longos (onde a tendência rebelde maoista, como é conhecida, teve um papel de destaque), aliados a eleições multipartidárias, aqui e ali.
Maio 2008. Proclamação da República
2. O Nepal, com cerca de 30 milhões de habitantes é um país jovem, onde 2/3 da população tem menos de 34 anos. Um país ensanduichado entre os dois maiores colossos da demografia mundial, a China e a Índia, conhecido pela sua capital Katmandu – cidade cruzamento de vários povos e comércio – e uma das rotas de acesso ao Monte Evereste.
Certamente, menos conhecido por, desde a implantação da República, em 2008, ter vindo a ser governado por partidos da esquerda, regime que acaba de cair por uma revolta designada nos Media internacionais de revolta da juventude (geração Z) contra a interdição pelo Governo, em Junho de 2025, de 26 redes sociais, designadamente Facebook, Instagram, WhatsApp e Youtube, porque recusaram se submeter às leis nacionais, que exigiam o seu registo como empresas do país. Apenas 5 das 31 empresas existentes tinham aceite fazê-lo até 1 de Setembro, data para o cumprimento.
A revolta da Geração Z
3. Os jovens revoltam-se contra a interdição das plataformas digitais, alegando que 1/3 da população vive no exterior e as redes são o veículo de comunicação entre si e encaram a decisão do governo um atentado à liberdade de expressão.
Durante dias, a revolta traduziu-se em incêndios e ocupação de edifícios públicos, casas de políticos e manifestações de rua com elevado número de baixas mortais. O primeiro-ministro Sharma Oli (dirigente máximo do PC) é obrigado a demitir-se, o Parlamento dissolvido pelo Presidente Poudel do centro-esquerda e as forças armadas intervêm para manter a Ordem.
Depois de 3 dias de negociações de algum melindre entre Presidente do País, forças armadas e representantes da juventude revoltosa foi designada como primeira-ministra interina, a Presidente do supremo tribunal (Sushila Karki) com currículo político desalinhado dos partidos tradicionais. A juventude vê nela a pessoa certa para levar a cabo as eleições de 5 de Março 2026, marcadas pelo Presidente.
Causas da revolta
4. Na sociedade nepalesa, as distorções de desenvolvimento económico e social continuam muito chocantes, onde sobressai uma elite pouco numerosa, o que não abona a favor da governação do país pelas forças de esquerda, apesar do Nepal ter registado, no após República, avanços notáveis na área da escolaridade:
- Taxa de alfabetização a ultrapassar 71%, quando era de 54% em 2001.
- Ensino superior a acolher, em cada ano, mais de 400.000 estudantes.
Porém, estes avanços geraram um paradoxo. O mercado de trabalho formal só tem dimensão para absorver cerca de 40 000 trabalhadores/ano. Assim, uma elevada percentagem qualificada de jovens fica sem hipóteses de aceder a trabalho produtivo, ou seja, impedida de ascender socialmente. A sua janela de oportunidades foca-se no digital e na emigração.
No Nepal há mais de 17 milhões de nepaleses utentes do Facebook e cerca de 90% dos jovens conectados diariamente. As plataformas sociais são, assim, uma fuga para a falta de emprego e também para a concretização informal de pequenos negócios que sempre vão gerando algum rendimento que atenua o fraco nível de vida do país onde, segundo alguns dados, cada pessoa sobrevive, em média, com um dólar/dia.
A estrutura económica do país, segundo estimativas do Banco Mundial, com a agricultura a empregar 63% da totalidade das pessoas em idade activa, quando não gera mais de 24% do PIB; a indústria, por seu lado, a gerar cerca de 12% do PIB e os serviços (sectores formal e informal) 63%, é bem a imagem do que se referiu, pondo ao vivo as estruturas semifeudais de produção dominantes, impeditivas de qualquer progresso.
Se a isto se acrescentar o fluxo das receitas da diáspora que entraram no Nepal, em 2023, equivalendo a 27,6% do PIB, temos o quadro perfeito de um país muito atrasado em termos de desenvolvimento. Acentue-se que não é por falta de condições objectivas que o arranque económico ainda não se deu – pois, pelo menos no que toca a qualificação da população – um vector chave em qualquer processo de desenvolvimento, ela existe.
Algumas causas do insucesso
5. Desde a implantação da República, as forças comunistas (tendência maoista e PC do Nepal) batem-se entre si pelo controlo do aparelho do Estado e aí esgotam as suas energias.
A coligação entre o partido do Congresso/partido comunista do Nepal no poder nos anos mais recentes “cercou” os maoistas que até saíram vencedores nas eleições pós implantação da República e desenvolveu na sociedade nepalesa uma campanha anti-maoismo, levando-o a se aproximar sem sucesso da juventude urbana.
Por seu lado, o maoismo ia insinuando que o governo de coligação pouco fazia para combater a corrupção sobretudo de elementos com influência no poder e que se opõem a reformas que permitam abrir a economia à criação de riqueza em benefício da população.
A juventude, contudo, não aderiu a este trabalho de sapa dos dois lados, acusando os dois partidos de serem iguais, muito ineficazes em todas as frentes, incluindo o combate à corrupção e apontando o subdesenvolvimento, decorrente do desentendimento entre os partidos que perdiam o seu tempo a negociar arranjos interpartidários para continuarem no poder.
Em síntese, a juventude entende que o governo e os partidos falharam na resolução dos três grandes problemas do país:
- Criação de emprego e estagnação económica
- Combate firme à corrupção
- Liberdade aos diferentes níveis.
A revolta como explosão
6. A violência que explode em princípios de Setembro é contra os políticos dos três partidos: Partido do Congresso e os dois partidos Comunistas (Maoismo e Partido comunista do Nepal). A rivalidade entre as forças comunistas foi sendo potenciada pelas sucessivas levas de regulamentação, saídas ao longo de 2024, sobre as redes. A interdição das plataformas digitais caiu mal e desencadeia a revolta da juventude, mas as grandes causas estavam acumuladas: as frustrações e as perspectivas de um não futuro.
Expectativas
7. Há expectativas por parte da juventude de que as eleições possam levar a um novo modelo de governo “livre de vínculos dos partidos tradicionais”. Defendem que essa liderança deve ser independente e escolhida na base da competência, integridade e qualificação”.
Apesar do consenso encontrado, teme-se que o país, em situação de graves conflitos que não estão afastados, possa cair para uma direita radical ou mergulhar numa instabilidade incontrolável. Contudo, há confiança na Primeira-ministra interina para levar o país a bom porto.