
“Consideramos que as seguintes verdades se justificam por si próprias: todos os homens são criados iguais, são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”. Esta frase consta da Declaração da Independência dos Estados Unidos, e influenciou a construção de toda a estrutura política e social dos EUA e da Europa. Está tão actual como quando foi escrita em 1776, por Thomas Jefferson. Contudo, está a ser posta em causa por uma ideologia de direita radical que cria agitação social com base no pretenso perigo causado pela imigração de pessoas provenientes de regiões com matriz cultural diferente.
A migração humana é um facto permanente. Tem por causa a pobreza e a vontade de conseguir uma vida melhor. Desde a antiguidade mais remota, todas as regiões ou cidades em que se desenvolveram condições de estabilidade e de criação de riqueza atraíram populações de regiões onde as condições de vida eram mais difíceis.
É, assim, um fenómeno absolutamente normal. E como a diferença económica entre regiões é um facto que não é possível negar nem evitar, a tentação de emigrar para conseguir uma vida melhor vai continuar a existir.
Todas as situações de migração resultaram em mudanças culturais. Por vezes, como sucedeu nos Estados Unidos no Sec. XIX, em que o número de migrantes é superior à dos residentes, a mudança foi drástica e destruiu o modo de vida da população local. Mas na grande maioria dos casos foi um processo gradual, em que os chegados se integraram pacificamente na sociedade local, que também acolheu e aceitou alguns contributos nos novos habitantes.
Hoje na Europa temos uma tentativa de negação da realidade histórica, através da criação, consciente e voluntária, de uma narrativa que se aproveita do medo do diferente, recorrendo à desinformação, à manipulação da informação, e à mentira mais declarada, para criar nos residentes uma postura de rejeição dos imigrantes.
É também a negação dos princípios fundacionais das sociedades ocidentais modernas. É a negação da igualdade – os novos não são iguais a nós, pela cor da pele, ou pelas crenças religiosas ou pelos padrões morais. É a presunção de que quem chega não está interessado em adaptar-se e viver pacificamente. É a propaganda da ameaça da destruição da nossa cultura e do nosso modo de vida. E é a fábula de que quem é diferente é uma ameaça e, pior, uma ameaça violenta.
Na realidade a migração é a concretização prática daquilo que Jefferson identificou como o direito inalienável, de todos, e que não carece de justificação, a buscar uma Vida (e uma vida melhor), a Liberdade, e a Felicidade.
Foi isso que motivou os Portugueses dos Séculos XIX e XX a emigrarem em grande número para os EUA, para o Brasil, para a Austrália, para África, e para a Europa. Fugiam da miséria, da insegurança e da opressão que cá sofriam para buscarem uma vida melhor onde esse cenário se lhes afigurava possível. E por lá se adaptaram, e por lá ficaram. Não são diferentes dos Africanos, Nepaleses, e Bangladeshis dos nossos dias (e há bem poucos anos os Ucranianos e os Romenos), que procuram em Portugal uma solução de melhoria de vida, aproveitando oportunidades criadas pelo desenvolvimento económico que cria empregos que estão disponíveis para aceitar.
Lutar contra esta realidade, mais do que negar este direito fundamental, é ser um novo D. Quixote a lutar contra moinhos de vento. É melhor adaptamo-nos à ideia de mudança.