
A 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, a partir deste 23 de setembro, ocorre em um dos momentos mais decisivos para o sistema internacional desde a sua fundação. O mundo assiste, de um lado, ao fortalecimento da China, que ao realizar em 3 de setembro o desfile em memória dos 80 anos da vitória contra o fascismo e da resistência ao Japão, recordou ao planeta as marcas de um século de invasões e humilhações.
Essa memória histórica fundamenta a proposta chinesa de um novo modelo de governança global baseado na cooperação, na prosperidade compartilhada e na rejeição da lógica de hegemonia. A Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, na designação inglesa) inscreve-se nesse horizonte: não como ferramenta de dominação, mas como tentativa de corrigir as assimetrias que mantêm países em desenvolvimento subordinados a um ciclo de dependência e exclusão.
Neste mesmo contexto, a relação sino-americana segue como eixo de estabilidade e tensão. As conversas recentes entre Xi Jinping e Donald Trump mostraram que, mesmo em meio à rivalidade estratégica, subsiste o reconhecimento de que o destino da ordem internacional depende da capacidade das duas maiores economias de evitar rupturas irreversíveis. O comércio bilateral de mais de 680 biliões de dólares e a disputa em torno da operação do TikTok são faces visíveis de um embate maior: o equilíbrio entre interdependência e contenção. Pequim insiste em que não deseja substituir a hegemonia americana, mas sim moldar um sistema mais inclusivo, enquanto Washington oscila entre cooperação pragmática e contenção.
Entretanto, o tema que conferirá maior dramaticidade a esta Assembleia é o genocídio em Gaza. A destruição em massa de vidas, a fome deliberada e a recusa em aceitar a criação de um Estado palestino abalaram a consciência internacional e colocaram em xeque a credibilidade das instituições multilaterais. Diante da inércia do Conselho de Segurança, será na Assembleia Geral que Austrália, Canadá, França (?), Portugal e Reino Unido romperão com décadas de hesitação e reconhecerão oficialmente a Palestina. Este gesto, ainda que tardio, representa não apenas uma correção de erros históricos, mas também um sinal de que parte do Ocidente já não pode ignorar o clamor moral e político por justiça. Ao desafiar abertamente a linha de Washington e a intransigência israelense, esses países darão nova relevância ao fórum multilateral.
Assim, a 80ª Assembleia Geral da ONU será um marco não apenas pelas resoluções debatidas, mas pelo teste de sobrevivência da própria Organização. Se a ONU falhar em responder ao genocídio em curso, em reformar estruturas que perpetuam privilégios e em dar voz às maiorias globais, perderá definitivamente sua capacidade de representar a esperança de um sistema internacional baseado em normas e não na força. Mais do que nunca, está claro que somente em paz o mundo terá a tranquilidade necessária para retomar o crescimento econômico e construir um futuro de prosperidade partilhada. Por isso, esta Assembleia não será apenas mais uma sessão anual: será o momento em que a ONU deverá provar sua relevância, reafirmar sua legitimidade e demonstrar que pode ser, ainda, a arena capaz de equilibrar poder e justiça no século XXI.