
A muito atenta Isabel Pereira dos Santos, “garimpeira” de explicações e raciocínios, chamou a atenção para um texto muito importante de interpretação do fenómeno Trump, “The Little Discussed Secret to Trump’s Ruination of America”, por Neal Gabler, publicado a 22 de Agosto no seu “Farewell, America” no Substack.
Em 1998, este autor já tinha chamado à atenção para a forma como o “entretenimento” constituía a principal força de transformação em curso, muito mais do que qualquer outra força, política, religiosa, social, intelectual, filosófica, científica ou artística.
Não tentarei resumir a riqueza da explicação, mas apenas as suas principais conclusões e tentar transpô-las para Portugal.
Trump teria surgido porque os americanos tinham ficado aborrecidos com a sua política, mais do que estavam descontentes com os seus resultados. Eles queriam entretenimento. A política tinha limitações, mas funcionava razoavelmente, certamente melhor do que agora, em que as instituições estão a ser atacadas.
Houve sempre afinidades entre a política e o entretenimento, até porque ambos pretendem satisfazer as pessoas. Roosevelt era mestre na rádio, Kennedy na TV e Reagan era actor. Mas estes usavam os instrumentos do entretenimento ao serviço da política.
Trump é radicalmente diferente: o entretenimento passou a ser o propósito da política. Infelizmente, este passe perverso de génio tornou-se a base de tantas das suas outras perversidades.
Se o público adora o entretenimento reality show de Trump, a comunicação social também [ou ainda mais], um negócio onde o “aborrecimento é o pecado capital”. Tudo na sua administração é pensado como espectáculo. A política externa (incluindo Zelensky na Sala Oval) é uma acrobacia; a “negociação” das tarifas é uma acrobacia; etc., etc.
Sugiro a leitura do texto integral e também a sua tradução e publicação em algum órgão de comunicação social em Portugal, tal o seu interesse.
Gostaria de passar agora aos comentários, de dois tipos: a sustentabilidade desta política nos EUA; as leituras para Portugal.
A política de Trump não é sustentável a nível pessoal e menos ainda a nível institucional, do partido republicano. A incerteza que resulta das surpresas políticas é má para a economia, tal como as tarifas, atacar a Reserva Federal e aumentar os défices públicos. As sondagens já estão em queda e isso seria negativo, embora também tenha de se acrescentar que a destruição das instituições democráticas pode colocar em causa a representatividade dos próximos actos eleitorais. Finalmente, é inconcebível como o partido democrata não percebeu o que estava em causa em 2024 e apresentou candidatos tão fracos, primeiro Biden e depois Kamala Harris.
Em Portugal, é extraordinário como é que nem a comunicação social nem os mais ardentes adversários de André Ventura ainda não perceberam que estão a ser completamente manipulados e que são as suas principais forças de propaganda, segundo o velho princípio de que não existe má publicidade. Para terminar, o PS tem a certeza de que José Luís Carneiro é melhor que Kamala Harris?