Uma investigação recente revela que o fumo de incêndios em Los Angeles causou 440 mortes, 14 vezes mais do que as diretamente atribuídas às chamas. Este aumento não reflete apenas mortes diretas, mas agravamento de doenças cardíacas e respiratórias nos dias que se seguiram ao evento. Em Portugal o cenário, à nossa escala, não será muito diferente!
Um novo estudo conclui que os efeitos letais do fumo, sobretudo as partículas finas PM 2,5, são muito superiores aos danos visíveis das próprias chamas.
Estas partículas, invisíveis a olho nu, penetram profundamente nos pulmões, ultrapassam até o sistema circulatório, desencadeando inflamação sistémica que pode agravar patologias cardíacas e respiratórias existentes, bem como causar novos episódios clínicos graves.

Na imagem de satélite pode ser vista uma enorme coluna de fumo que sai de Los Angeles e vai na direção a San Diego. Este fumo mata silenciosamente.
Um efeito territorial e transfronteiriço
O cálculo pode ser conservador: 440 mortes consideraram apenas um período limitado e uma única jurisdição. Não foi incluído o impacto em condados vizinhos, onde a poluição também teria causado danos.
Os tóxicos também não conhecem fronteiras: as colossais nuvens de fumo canadiano, potencialmente mais tóxicas por queimar áreas com solos contaminados com chumbo, mercúrio e arsénico, cobriram estados do norte dos EUA e até cruzaram o Atlântico, chegando à Europa.
E em Portugal? A realidade do fumo letal para além do fogo
O verão de 2025 está a deixar uma marca devastadora em Portugal, com milhares de hectares destruídos pelo fogo e uma nuvem persistente de fumo a pairar sobre várias regiões. Segundo dados oficiais, até 15 de julho registaram-se 3.370 incêndios que consumiram 10.768 hectares de mato, floresta e áreas agrícolas.
O agravamento foi rápido e severo. No final de julho, a área ardida já totalizava 33.310 hectares, o quarto valor mais elevado dos últimos 20 anos, equivalente à soma de oito municípios de dimensão semelhante a Lisboa ou Porto. Apenas uma semana depois, a 6 de agosto, o total subia para 41.644 hectares, com especial incidência no Norte (30.002 ha) e no Alentejo (7.079 ha).
As projeções para o ano são alarmantes. Estima-se que, até agora, já tenham ardido cerca de 52.000 hectares em 2025, ultrapassando em mais de 10 000 hectares a média anual dos últimos 20 anos. Os números confirmam que a atual temporada de incêndios é uma das mais destrutivas de que há registo, não só pelo impacto direto das chamas, mas também pelos efeitos prolongados do fumo, um inimigo silencioso que continua a afetar a saúde pública muito depois dos fogos estarem extintos.

Imagem de arquivo, captada por um satélite da NASA em 2016, que mostra a dimensão dos muitos incêndios que lavraram no Norte do país. O fumo atravessou o Atlântico.
Esta “cama invisível” de poluição compromete a qualidade do ar durante semanas, intensificando os seus efeitos nocivos:
- Partículas PM 2,5 e mais finas podem viajar quilómetros, causando danos pulmonares profundos e acelerando processos inflamatórios sistémicos.
- Estudos mostram uma ligação clara entre exposição a fumo de incêndios e aumento significativo de hospitalizações por hipertensão, doenças cardíacas, AVC, asma, pneumonia ou DPOC, com efeitos prolongados até três meses após o evento.
- O fumo agrava sintomas imediatos: tosse, falta de ar, irritação ocular e rinite, além de palpitações e fadiga, com risco acrescido para crianças, idosos, grávidas e pessoas com doenças crónicas.
- Incêndios de grande intensidade e extensão, cada vez mais frequentes em Portugal, provocam efeitos difíceis de mitigar: o fumo impede a ação aérea, propaga-se rapidamente e continua a prejudicar a saúde muito depois das chamas serem controladas.
Medidas urgentes para proteger a população
Proteger a saúde exige uma resposta imediata: o fumo é o assassino silencioso que permanece muito depois das chamas se extinguirem.
Embora alguns procedimentos exijam tempo para serem aplicados, a repetição anual destes incêndios e a gravidade dos seus efeitos exigem que o país disponha de mecanismos prontos para atuar e reduzir consequências que já não podem ser consideradas imprevisíveis.
- Equipar centros de saúde e hospitais com filtros HEPA de elevada eficiência para purificar o ar e reduzir a carga de partículas nocivas no ambiente interior, medida decisiva para reduzir a mortalidade oculta.
- Plano integrado contra incêndios, que inclua gestão territorial e ações preventivas focadas na saúde pública, não apenas na proteção de bens ou propriedades.
- Alertas e recomendações rápidas para fechar janelas, evitar atividades ao ar livre, usar máscaras certificadas e manter ambientes interiores limpos em dias com elevada poluição por fumo.
- Sensibilização pública e coordenação interinstitucional para reconhecer que o fumo prolonga os seus efeitos além do fogo visível, e que cada partícula pode pesar na vida de milhares de cidadãos.
O fumo não é apenas um subproduto perturbador dos incêndios: é um terrível assassino invisível, que prolonga o impacto dos fogos com prejuízos graves para a saúde pública. Em Portugal, é urgente reconhecer este perigo e implementar medidas eficazes enquanto o país continua cercado por incêndios cada vez mais extremos.