Pensamento crítico

Eis que, de repente, todo o mundo acordou para a necessidade de desenvolver nas pessoas capacidades de pensamento crítico. Não porque seja inerentemente benéfico para o indivíduo exercer plenamente as suas escolhas e compreender e aceitar as responsabilidades inerentes, mas sim porque sem pensamento crítico não se pode beneficiar de uma boa utilização da inteligência artificial.

Se a inteligência artificial for o motivo para que os currículos académicos e as metodologias de ensino passem a privilegiar o desenvolvimento de pensamento crítico nos alunos, que seja. Mas o pensamento crítico não se resume à arte de escrever prompts. Exige pensamento analítico, capacidade avaliativa da credibilidade das fontes, da força dos argumentos e da validade da evidência; requer a capacidade de inferir conclusões lógicas com base na informação disponível, e capacidade explicativa — articulando concisamente argumentos e evidência.

Este processo analítico e racional precisa de ser temperado, mediante processo de autorregulação, para permitir ao indivíduo expurgar ou, pelo menos, reconhecer crenças e emoções próprias que enviesem a robustez das conclusões. Finalmente, o “pensamento crítico” exige uma abertura a novas perspetivas e a necessidade de rever pressupostos com base em nova evidência.

O que leio em redes sociais e observo nas televisões são indivíduos com visões do mundo rígidas e cheios de certezas a clamar por mais pensamento crítico, no pressuposto de que eles próprios são detentores do mesmo. A verdade é que até na academia, onde os professores universitários estão, em princípio, equipados com pensamento crítico avançado, vemos ótima gente a exibir posições definitivas e universais sobre temas complexos.

Ora, pensamento crítico exige uma capacidade de guardar uma dúvida saudável até sobre as nossas próprias posições. Considerar a possibilidade de estarmos errados. Compreender que a maioria das soluções para problemas complexos emergem do seu contexto formativo. Que o excesso e o defeito são vícios por igual. Sinto que este problema é muitas vezes particularmente grave entre aqueles que, munidos de modelos econométricos, legitimam uma visão do mundo redutora, universalista e definitiva dos problemas e respetivas soluções. Ceteris paribus.

Dito isto, o pensamento crítico é uma ferramenta importantíssima para a vida em sociedade, para melhores escolhas individuais, para a fortalecimento das instituições e da democracia. Urge, portanto, desenvolvê-lo transversalmente para desenvolver a sociedade, não meramente a tecnologia e a economia. Deve ser um elemento libertador do indivíduo e não desenvolvido de forma redutora com o fim de adaptar o indivíduo à máquina.