A poupança das empresas chinesas, por não precisarem de fazer grandes desvios, permite-lhes continuar a oferecer preços muito baixos na Europa. A pirataria tem “poupado” os navios da China na travessia do inferno do Mar Vermelho!
Atualmente, o Mar Vermelho é a principal rota comercial do mundo, vital para que milhões de indústrias europeias recebam produtos vindos da Ásia. No entanto, nos últimos meses tornou-se um dos mares mais perigosos do planeta, alvo de bloqueios devido a ataques de piratas.
A exceção são os navios chineses, que atravessam estas águas sem qualquer problema… e até com proteção!
Mar Vermelho como zona proibida
Desde que a milícia hutí do Iémen, apoiada pelo Irão, iniciou uma campanha de assaltos no final de 2023, em represália pela situação em Gaza, esta rota tornou-se de alto risco.
Houve cargueiros afundados, tripulações atacadas e um clima de insegurança que levou gigantes como a Maersk ou a Hapag-Lloyd a desviar-se pelo Corno de África, aumentando entre 14 e 18 dias à viagem e elevando os custos.
Navios chineses com “carta branca”
Segundo a empresa de inteligência marítima Lloyd’s List Intelligence, desde abril que se verifica que os navios chineses passam incólumes. Catorze cargueiros de transporte de veículos, do tipo RoRo, saíram da China, cruzaram o estreito de Bab el-Mandeb e o Mar Vermelho até à Europa sem qualquer desvio.
No interior, transportavam veículos elétricos de marcas como a BYD ou a MG, um padrão que sugere um acordo tácito.
Nem Pequim, nem Teerão, nem os líderes hutís emitiram declarações oficiais, mas o contexto geopolítico aponta para um entendimento de interesses mútuos. Os hutís, que afirmam atacar navios com ligações a Israel, EUA ou Reino Unido, parecem ter instruções claras para deixar passar embarcações chinesas.
A chave está na influência da China sobre o Irão, principal apoio económico e militar dos hutís. Pequim é o maior comprador do petróleo iraniano, um recurso vital para a economia persa. Em troca, exerce uma influência na região que nenhuma outra potência consegue igualar.
Analistas como Daniel Nash, da consultora Veson Nautical, afirmam que:
A China encontrou uma forma de negociar com os rebeldes hutís apoiados pelo Irão, e estes foram instruídos a não atacar os seus navios.
Este “salvoconduto” aplica-se não só a navios de bandeira chinesa, mas também a embarcações de outras nacionalidades fretadas por fabricantes chineses para transportar veículos. No entanto, navios chineses que não transportam automóveis continuam a preferir a rota africana para evitar riscos.
Arma contra as tarifas europeias
Para os fabricantes chineses, esta rota direta é mais do que poupança logística: é uma ferramenta estratégica para conquistar o mercado europeu.
Atualmente, a União Europeia aplica tarifas de até 35% aos veículos elétricos chineses, alegando que beneficiam de subsídios estatais injustos, embora esteja a ponderar revertê-las.
O corte de custos com a travessia do Mar Vermelho ajuda a compensar o impacto destas tarifas, mantendo os preços finais altamente competitivos.
Marcas como Tesla, Volvo, Suzuki e fornecedores como a Michelin sofreram paragens em fábricas europeias devido aos atrasos provocados pelos desvios. Enquanto as marcas estabelecidas na Europa enfrentam custos e atrasos, a China consegue evitá-los.
Cidades flutuantes para conquistar a Europa
A aposta chinesa nesta rota é clara e duradoura. Estaleiros no país trabalham intensamente para entregar novos navios à BYD e à SAIC.
Embarcações como o “BYD Explorer No.1” ou o “Anji Ansheng” da SAIC são autênticas cidades flutuantes, com capacidade para mais de 7.000 veículos, concebidas para transporte marítimo em massa.
Em Portugal, as vendas de elétricos chineses continuam a crescer, com o grupo BYD à frente, seguido pelo Grupo SAIC Motor, entre outras diversas marcas, como a Xpeng, Dongfeng, Aiways, Voyah, Forthing, M-Hero e Maxus que já atuam no território nacional.
Estas estratégias, aliadas a vantagens logísticas como a travessia do Mar Vermelho, estão a permitir à China inundar o mercado europeu de automóveis, algo já visível nas estatísticas de matrículas.