
João Quintela Cavaleiro, sócio fundador da Cavaleiro & Associados, diz que Portugal e as suas empresas têm mostrado que merecem toda a confiança dos investidores internacionais.
Previsibilidade e tempo de execução são os fatores críticos para o investimento. As soluções energéticas renováveis endógenas assumiram redobrada emergência, sobretudo depois dos episódios conhecidos a propósito do corte de energia elétrica, que evidenciou a necessidade de diferentes fontes de energia de forma emergente, em que o País possa desenvolver de forma independente e sem interdependências de Países terceiros.
O impasse no processo para o leilão de eólicas offshore tem gerado preocupações por parte dos investidores. Quais os principais riscos desta instabilidade regulatória para Portugal?
A captação de investimento para qualquer setor de atividade, muito em especial no setor energético, que em regra envolve operações mais complexas e com projetos longos e com diferentes interlocutores entre investidores, entidades financiadoras, com um pendor regulatório muito arreigado, merece previsibilidade e a definição de prazos curtos que procurem dar resposta à emergência do tema.
Previsibilidade e tempo de execução são os fatores críticos para o investimento. As soluções energéticas renováveis endógenas assumiram redobrada emergência, sobretudo depois dos episódios conhecidos a propósito do corte de energia elétrica, que evidenciou a necessidade de diferentes fontes de energia de forma emergente, em que o País possa desenvolver de forma independente e sem interdependências de Países terceiros.
O caso particular do setor eólico off-shore, a reboque do Despacho n.º 4752/2025, publicado em 21 de abril, é disso exemplo.
Embora estabeleça as regras para o primeiro leilão de energia eólica offshore para operacionalizar a produção de eletricidade a partir desta fonte, o prazo de 6 meses para avançar com o leilão pareceu um pouco desfasado dos interesses que o setor já vem reclamando. A este fator acresce a necessidade de consulta de uma multiplicidade de entidades Administrativas envolvidas, tais como a Direção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030 (EMER). As referidas entidades têm 60 dias para apresentar uma proposta de operacionalização do procedimento, incluindo fases, lotes e critérios de pré-qualificação.
Ora, se o prazo de 60 dias parece perfeitamente aceitável para projetos desta complexidade, a experiência tem demonstrado que nem sempre os prazos têm sido cumpridos, o que se adensa neste ponto pelas diferentes pronúncias e consultas exigidas. Neste sentido, a palavra de ordem será o cumprimento dos prazos e uma coordenação efetiva junto das Autoridades.
Um bom referencial a ter em conta, poderá ser o Leilão de Hidrogénio verde e Biometano, para injeção na rede de transporte e rede de distribuição. O concurso foi levado a cabo pela DGEG em 23 de Janeiro de 2025, com resultados finais em fins de Fevereiro de 2025, sendo que as adjudicações estão firmadas e os processos já em curso. Com planos e timings muito exigentes para os promotores.
Que garantias ou mecanismos poderiam ser implementados para recuperar a confiança dos investidores?
Portugal e as suas empresas têm mostrado que merecem toda a confiança e os sinais de investimento nacional e internacional nas empresas e projetos portugueses tem sido prova. A nossa experiência como participantes em processos de assessoria de operações in-bound, evidencia que os principais mecanismos/vetores que tornariam Portugal ainda mais atrativo para os investidores seriam de forma sumária os seguintes:
i. Previsibilidade legislativa e regulatória, com definições estratégicas de longo prazo que sejam imunes a transições de legislaturas- sobretudo em áreas críticas e estratégicas como a energia;
ii. Estabilidade fiscal, de forma a que os investidores não se sintam defraudados nas projeções assentes em pressupostos que se alteram de forma recorrente;
iii. Resposta dentro dos prazos dos organismos públicos, na senda das exigências peremptórias colocadas aos promotores;
iii. Menos burocratização Administrativa, com redução de interações com múltiplos organismos, e em contrapartida mais pendor Regulatório e Fiscalizador.
Naturalmente que a existência de decisões judiciais e arbitrais em tempo útil é o epílogo deste vetor regulatório. Se por um lado se percebe que os investidores tendem a criticar a multiplicidade de interações e organismos em Portugal, bem como a solicitação repetitiva de procedimentos e documentação, percebe-se que na sua perspetiva, que mais pendor regulatório e fiscalizador protegeria o investimento responsável e gerador de valor.
No fundo, critérios claros, simplificados e uma fiscalização assertiva e penalizadora para quem não cumpre. O trabalho levado a cabo tem sido construtivo e com mecanismos que embora simples são transformadores e por isso de difícil implementação prática. Portugal pode continuar a reafirmar-se, quer com investimento nacional, quer transnacional como um local prioritário. Todo o investidor procura segurança, prazos cumpridos e regras válidas e em funcionamento num pleno Estado de Direito.
Quais as vossas expetativas para o futuro do setor energético em Portugal?
Assessoramos operações no setor energético há mais de 15 anos, conhecemos o passado, o presente e tendemos a perspetivar o futuro do setor energético em Portugal como desafiante.
Em suma, o País apresenta:
1. elevada disponibilidade de energia renovável;
2. infraestrutura marítima e redes de gás existentes;
3. possibilidade de exportação.
4. acesso ao mercado europeu e enquadramento regulatório favorável
As metas são ambiciosas: participação de 85% de energias renováveis na eletricidade consumida até 2030; neutralidade carbónica até 2045 com redução de emissões de 55 % até 2030 em comparação com 2005 .
Em linha com este vetores:
No sector eólico on-shore o pendor de repower e de renovação dos parques existentes é o desafio.
No off-shore, o motivo da preocupação atual é que os investidores consigam fazer acontecer a meta de 10 GW até 2030.
No setor elétrico, sobretudo depois do episódio do apagão de Abril passado, a palavra de ordem será diversificar as fontes. Sem prejuízo dos anunciados 400 milhões para reforço das redes, parece-nos que é emergente o foco num mix-energético diversificado, configurando-se como plano de ataque imediato, fazendo uso das restantes soluções já existentes, enquanto se implementam os projetos de longo prazo.
No setor do hidrogénio e biometano será implementar os projetos que resultaram do resultado dos leilões anunciados no início de 2025 e que já estão em curso.
É evidente a crescente adoção em transportes e na indústria e o potencial de redução de custos com escala e avanços tecnológicos — estimativas globais indicam que o hidrogénio verde poderá atingir paridade de custos com o “cinzento” entre 2030–2035, especialmente em mercados com eletricidade renovável barata. Os projetos decorrentes dos leilões podem assumir-se como percursores e dignos de ser seguidas pelas restantes FER.
Já o biometano emerge como uma solução energética facilitada e também estratégica na transição para uma economia de baixo carbono e Portugal assume posição privilegiada, pois pode ser injetado diretamente na rede de gás natural, sem necessidade de grandes investimentos em nova infraestrutura. Pode ser usado nos mesmos equipamentos e aplicações do gás natural.