
Quando falamos de transição energética, o debate tende a centrar-se em metas de descarbonização, inovação tecnológica e novos modelos de mercado. Mas se quisermos garantir que esta transformação seja justa, duradoura e eficaz, temos de olhar além dos indicadores técnicos.
A mudança que realmente importa não é apenas a que reduz emissões ou melhora eficiências, mas aquela que gera valor social local, envolvendo pessoas, territórios e instituições de forma estruturada. Esse processo exige uma engrenagem entre as forças da tecnologia, cidadania e regulação.
A primeira condição para esse equilíbrio é uma regulação que vá além da eficiência. A burocracia inerente aos projetos não apenas trava a inovação como afasta as pessoas do processo. Por exemplo, em Portugal, entre 2019 e 2023, muitas comunidades de energia promissoras perderam força devido a obstáculos legais e burocráticos. Aprendemos, com isso, que a regulação tem de ser desenhada com três princípios: clareza nos processos, flexibilidade para adaptar-se aos contextos locais e equidade para garantir que ninguém fica para trás. A regulação, quando bem orientada, não é um fim, mas um meio para permitir participação, copropriedade e criação de confiança.
Mas regulação por si só não basta, digitalização tornou-se um elo crítico entre a ambição normativa e a realidade prática no terreno. Atualmente existem plataformas que permitem que os cidadãos acompanhem a produção, consumo e partilha da sua energia.
Contudo, como vimos no projeto europeu GRETA, o impacto das plataformas digitais depende da forma como são desenhadas: acessibilidade, clareza e adaptação emocional são tão importantes quanto a funcionalidade. Aprendemos que não basta automatizar processos, é preciso criar instrumentos que ajudem as pessoas a entender, confiar e agir nestes processos – só assim se fomenta uma cidadania energética ativa.
E é justamente esse o terceiro pilar do triângulo: a cidadania energética ativa. Comunidades de energia não são meras somas de equipamentos, são redes de relações, de decisões coletivas, de confiança construída com o tempo. O envolvimento dos cidadãos não pode ser um extra, tem de ser uma parte estrutural da solução. A sua ausência pode comprometer todo o modelo. Tendo em conta os dados, envolver a indústria e comércio locais, escolas, bairros, pequenos negócios e famílias vulneráveis não é apenas justo: é necessário para que a transição tenha enraizamento local e capacidade de escalar.
No fundo, estamos perante uma mudança que é tão institucional quanto tecnológica. Inovadores devem assumir o seu papel de mediadores entre sistemas técnicos e humanos, por sua vez, reguladores precisam de ouvir, experimentar e ajustar. E, por fim, os cidadãos têm de ter meios reais para participar com tempo, com informação, com apoio.
O impacto é evidente: comunidades com energia mais barata, maior resiliência local e uma confiança crescente no processo de transição. Mas talvez o mais importante seja reconhecer o papel do modelo triangular que torna tudo isto possível, cidadãos que trazem confiança e experiências vividas, reguladores que asseguram clareza e agilidade nos processos, e empresas que conectam esses mundos através de soluções tecnológicas e operacionais.
À medida que a Europa procura equilibrar competitividade, descarbonização e justiça social, o exemplo português mostra que a transição energética é tanto uma questão técnica quanto profundamente relacional.